Aventuras na História - Edição 143 (2015-06)

(Antfer) #1
e “tudo isso vive à sombra de inqua-
lificável proteção” e nas barbas das
autoridades. Era fanatismo. Pois
nenhuma queixa para “pôr cobro nos
atos de selvageria” chegara jamais
aos ouvidos da polícia. Juca era pro-
tegido por “políticos e capitalistas”.
Nas fórmulas mágicas que vendia,
não faltava a presença do catolicismo.
Sincretismo, aculturação, mestiça-
gem? Pouco importava. O respeitável
era funcionar como se vê nesta “Re-
ceita para os homens se verem obri-
gados a casar com suas amantes”:
“Tomem-se 26 folhas de erva de
santa Luzia e, depois de cozidas em
seis decilitros de água, meta-se numa
garrafinha branca bem arrolhada,
até que tenha no fundo alguns farra-
pos, e sobre o gargalo dessa garrafa
reza-se a seguinte oração:
‘Ó santa Luzia, que sarais os olhos,
livra-nos de escolhos, de noite e de
dia; ó santa Luzia, bendita sejais por
serdes bendita, no céu descansais’.
Aqui tira-se um 7 de um baralho
de carta e põe-se-lhe em cima a gar-
rafa, dizendo: ‘Em nome do Padre,
do Filho e do Espírito Santo, te im-

ploro, Senhora, que assim como esta
carta está segura, assim eu tenha
seguro por toda a vida a (fulano) a
quem amo de todo o coração e peço-
vos, Senhora, que façais com que me
leve à Igreja, nossa mãe em Cristo
Senhor Nosso’. Rezar em seguido
uma coroa à Nossa Senhora. É pre-
ciso manter a carta debaixo da gar-
rafa até o dia do casamento”.
Seu julgamento teve início no dia
5 de janeiro de 1871. A sala, lotada de
autoridades, gente elegante, “mada-
mas” e seguidores, mais parecia uma
festa. Um “hábil advogado”, certo dr.
Felipe Jansen de Castro Albuquer-
que, foi escolhido para defender Juca.
Segundo o Diário de Notícias, os ad-
vogados de acusação tiveram que
conduzir uma “luta heroica para ar-
rancar a verdade” de testemunhas
aterrorizadas pelo olhar que o bruxo
lhes lançava.
Seis meses depois, ao final do jul-
gamento, 45 edições de 50 mil exem-

plares de uma brochura sobre o
processo do “famigerado Juca Rosa”
eram vendidos nas boas casas do
ramo. O feiticeiro foi, então, conde-
nado. Não por bruxarias, pois o Có-
digo Criminal do Império não vali-
dava tal crime, mas sim por estelio-
nato. Embora fosse mais um perso-
nagem no mundo do sobrenatural e
das mandingas, Rosa chocou por
avançar num território proibido na
sociedade escravista: o do sexo. Ele
era o negro que possuía sexualmen-
te brancas, mulatas e negras. Des-
pertava paixões e alisava canelas,
pernas e braços femininos, ambicio-
nados lugares de desejo masculino,
para “curá-los”.
Em plena campanha abolicionis-
ta, Juca Rosa era o ex-escravo que
enfeitiçava iaiás com carícias. Sua
magia, mas sobretudo seu poder se-
xual, não podia ficar sem castigo
exemplar. Foi libertado após seis
anos de prisão, a 26 de julho de 1877.

Por MARY DEL PRIORE
Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do
Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.

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