National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

(Antfer) #1
CANGURUS 85

Um canguru e o filho do
fotógrafo observam-se
mutuamente numa
quinta do Parque
Nacional de Sturt.
Poucos animais arreba-
tam tanto a nossa
imaginação como os
cangurus. “É tão
incrivelmente diferente
que, se não existisse, não
seríamos capazes de o
imaginar”, escreve o
zoólogo Tim Flannery.

Os nativos australianos sempre se alimentaram
de canguru, mas só o fazem com regras estritas.
Segundo o Tio Max, a lei indígena permite caçar,
mas só sazonalmente e não durante as épocas de
acasalamento. Também não se deve desperdiçar
nada. Todas as partes de um canguru devem ser
utilizadas.Esse relacionamento supera a perspec-
tiva utilitária. Os cangurus são a peça decisiva do
mundo simbólico a que os aborígenes chamam
Tempo do Sonho, as histórias que explicam a vida
e a criação. Na visão local do mundo, os caminhos
dos cangurus no mato assinalam os trilhos per-
corridos pelos antepassados. Segundo o Tio Max,
o abate selectivo de cangurus destrói esses trilhos.
Apesar da sua antiga associação aos cangurus,
os indígenas australianos pouco são ouvidos nes-
ta questão. Embora talvez não exista uma posição
única dos indígenas, pois os grupos são demasia-
do diversificados em termos geográficos e cul-
turais, a maioria concorda que o abate selectivo
constitui motivo de grande preocupação.
Em Sydney, um robusto ancião gomeroi cha-
mado Phil Duncan afirma que a Austrália é um


lugar estranho: “É o único país que come o seu
próprio brasão.” À semelhança do Tio Max, ele
mostra-se desgostoso com a forma como os can-
gurus são tratados. “O abate selectivo interfere
com a nossa capacidade para ensinar às gerações
vindouras a ligação que nos une à terra e à nossa
espécie totémica”, diz. Propõe que sejam os pri-
meiros povos da Austrália a ter a última palavra
em matéria de gestão dos cangurus. A verdade é
que estas conseguiram fazê-lo durante milhares
de anos. “Se for preciso fazer o abate selectivo
de cangurus, então deve existir uma indústria”,
afirma Phil Duncan. “Mas essa indústria deve ser
monopolizada pelo povo aborígene. Nós faríamos
esse abate de forma humanizada. Atribuam-nos
licenças. Deixem-nos tratar disso.”
Entretanto, Phil tem uma mensagem mais
imediata. “Quando os turistas visitam a Austrá-
lia, querem abraçar um canguru, pegar ao colo
num coala, encontrar um aborígene. Estamos in-
terligados na nossa tradição. Compreendam essa
ligação. Não venham cá para matar. Venham cá
para entendê-la.” j
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