National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

(Antfer) #1

94 NATIONAL GEOGRAPHIC


A HISTÓRIA DE


UMA DESCOBERTA


O cabo de aço oscilava
e os olhos dos respon-
sáveis pela grua que
descia o Luso não pes-
tanejavam. O Almirante
Gago Coutinho, navio
hidrográfico de apoio
ao Santa Maria Manuela
nesta missão, prepa-
rava-se para largar o
ROV e a ocasião solene
exigia máxima concen-
tração. No dia anterior,
a ecossonda multifeixe
revelara, no mapa tri-
dimensional do monte
submarino Gigante, uma
zona digna de explora-
ção mais pormenorizada.
Enquanto o robot
subaquático se deslocava
sobre labirintos vivos de
corais e esponjas, algu-
mas centenas de metros
mais acima o especialista
em mar profundo Telmo


Morato e a sua equipa
debruçavam-se atenta-
mente sobre os moni-
tores que transmitiam
as imagens. “Pára, pára,
pára!”, gritou repetida-
mente o investigador,
enquanto caiu de joelhos
no chão levando as mãos
à cabeça. “Não percam
isto: estamos a ver algo
único!” À sua frente,
quatro chaminés fume-
gavam sem parar.
No Santa Maria
Manuela, gerou-se um
pequeno caos entre
dezenas de pessoas.
Não fosse este um navio
robusto e talvez se
tivesse afundado com
o peso do júbilo que
se fazia sentir a bordo.
Por rádio, anunciou-se a
descoberta de um novo
campo hidrotermal!
Foi um achado único:
encontra-se a profundi-
dades reduzidas (cerca
de 570 metros) e liberta
líquidos translúcidos,

ligeiramente aqueci-
dos. Foi designado por
Luso e tornou-se o nono
campo hidrotermal
documentado na região
e o primeiro encontrado
efectivamente por uma
expedição portuguesa.
Observados pela pri-
meira vez em 1977 no
arquipélago das Galápa-
gos, os campos hidroter-
mais são manifestações
físico-químicas do inte-
rior da Terra. Quando
a água do mar pene-
tra pela crosta terres-
tre através de fissuras,
reage com os minerais
ali presentes e aquece
por gradiente geotér-
mico. Como consequên-
cia, a pressão aumenta e
é libertada uma solução
quente e rica em metais,
que forma estruturas
semelhantes a chaminés.
Dependendo da com-
posição das águas, são
designados por fumaro-
las negras ou brancas.

Aqui tem lugar um
dos espectáculos mais
incríveis da natureza:
a criação de vida! Por
meio de um processo
chamado quimiossín-
tese, as bactérias desta
escuridão produzem
matéria orgânica através
da oxidação de subs-
tâncias minerais. Esse
alimento sustenta uma
enorme diversidade de
seres extremófilos como
crustáceos, vermes e
bivalves gigantes.
Segundo um estudo
realizado pelo Univer-
sity College de Londres
em 2015, existem fortes
indícios para acredi-
tar que a vida na Terra
teve origem em cam-
pos hidrotermais. “Uma
descoberta desta mag-
nitude é como encon-
trar uma arca com um
tesouro de valor
incalculável”, resumiu
Emanuel Gonçalves,
com enorme satisfação.

EM CIMA: CAMPO HIDROTERMAL LUSO ©ROV LUSO_EMEPC. NO TOPO: IMAGEM DE FERNANDO TEMPERA,
MARE. BATIMETRIA: INSTITUTO HIDROGRÁFICO | MARINHA PORTUGUESA. EXAGERO VERTICAL: 3X. MAPA DO
ATLÂNTICO: IMAGEM: F. TEMPERA, MARE. BATIMETRIA: EMODNET BATHYMETRY. EXAGERO VERTICAL: 10X

ARQUIPÉLAGO DOS AÇORES

FLORES

CORVO FAIAL PICO

SÃO JORGE

GRACIOSA

TERCEIRA

SÃO MIGUEL

SANTA MARIA
LUSO
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