National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

(Antfer) #1

108 NATIONAL GEOGRAPHIC


BRASIL Por todo
o país, e em Boa Hora,
uma pequena vila
açucareira do Piauí,
o Dia de Reis é
celebrado na primeira
semana do ano. Este
mascarado representa
um dos três reis magos
que trouxe presentes
após o nascimento de
Jesus. Participa no
reisado, uma tradição
na qual grupos de
cantores, bailarinos e
músicos oferecem
serenatas aos
habitantes e recebem
comida e bebida como
retribuição.

Com as suas identidades disfarçadas atrás de
máscaras ornamentadas, os foliões contam his-
tórias, libertam frustrações e, em lugares como
o Haiti, promovem agitação em prol da mudan-
ça política e social tendo como pano de fundo
desfiles e paródias vibrantes. Os figurinos e as
canções representam comentários sociais e crí-
ticas políticas.
“É um tipo de rebelião que também configura
uma resistência cultural”, afirma Henry Navar-
ro Delgado, professor associado da Universida-
de Ryerson que tem explorado o papel da moda
no Carnaval.
Alguns foliões têm os corpos cobertos de tinta
e de lama. Outros vestem-se com as cores garri-
das das divindades africanas, como o vermelho
flamejante e o negro de Ogun, o deus africano
da guerra e do ferro, ou o azul e o dourado de
Erzulie Dantor, a deusa do ciúme e da paixão no
paradigma vodu haitiano.
Uma figura central em muitos carnavais é o
diablo maroto, o diabo. Na República Domini-
cana, ele pode aparecer como um vigarista que
coxeia, pavoneando-se por todo o lado com um
chicote. Em Trindade e Tobago, é por vezes um
demónio azul troçado e espancado por outros
diabos, para simbolizar a brutalidade da escrava-
tura. E no Panamá surge frequentemente como
o capataz, de chicote em punho, combatendo os
escravos fugidos (quilombolas), numa dança tra-
dicional do Congo que comemora a resistência
dos escravos aos senhores espanhóis. O diabo,
como é evidente, é mau no contexto católico ro-
mano ou europeu. Durante o Carnaval, porém, é
habitualmente o espírito endiabrado necessário
para equilibrar o mundo e agitar as coisas.
Nenhum Carnaval fica completo sem as dan-
ças mascaradas que retratam a relação entre os
escravos e os colonizadores ou, em alguns ca-
sos, fazem troça dos opressores. Muitas danças
exigem treino, segundo Amy Groleau, curadora
das Colecções Latino-Americanas e Caribenhas
do Museu de Arte Popular Internacional em
Santa Fé (EUA). A investigadora salienta temas
comuns, representando diferentes classes so-
ciais, etnias e até animais. “Há uma espécie de
elemento sagrado nas personagens”, diz.
Tanto nas personagens de animais da Co-
lômbia como na dança Qhapaq Negro que des-
creve os afro-peruanos como trabalhadores
escravizados que chegaram com os conquista-
dores espanhóis, o Carnaval é mais do que um
ritual sazonal. j

Free download pdf