10 NATIONAL GEOGRAPHIC
BOLÍVIA
AMÉRICA
DO SUL
Salar de
Uyuni
Salar de
Uyuni
N
uma manhã de sábado, em La Paz, Álvaro García Linera,
vice-presidente da Bolívia, acolhe-me num salão espa-
çoso. Este político de aspecto encantador, com cabelo
prateado, é conhecido no seu país como ideólogo mar-
xista convicto. Hoje, porém, apresenta-se como um
agressivo comercial capitalista.
A sua argumentação explica o problema do lítio.
García Linera refere-se ao recurso natural do seu
país de forma simultaneamente factual e fascinada.
Essencial para o nosso mundo cada vez mais alimen-
tado a baterias, o lítio também é a chave para o fu-
turo da Bolívia, garante o vice-presidente. Dentro de
escassos quatro anos, segundo a sua previsão, será
“o motor da nossa economia”. Todos os bolivianos
benefi ciarão do lítio “que irá retirá-los da pobreza,
garantir a sua estabilidade na classe média e garan-
tir-lhes formação nos domínios científi cos e tecno-
lógicos para que possam fazer parte da intelligentsia da economia global”.
No entanto, como o vice-presidente bem sabe, nenhuma proposta de ven-
da do lítio para salvar economicamente a Bolívia estará completa sem uma
menção à fonte desse lítio: o salar de Uyuni. Esta gigantesca planície salga-
da, com mais de dez mil quilómetros quadrados, uma das mais esplendo-
rosas paisagens do país, será alterada, com elevada probabilidade – e talvez
irremediavelmente destruída – pela extracção do recurso subjacente.
Por isso, García Linera fala dela em tom respeitoso, até mesmo reverente.
A certo momento, pergunta-me: “Já alguma vez esteve no salar de Uyuni?”
Quando lhe respondo que irei visitá-lo em breve, o vice-presidente aban-
dona a sua atitude de desprendimento e parece ser arrebatado pela sauda-
de. “Quando for ao salar, vá de noite”, aconselha. “Estenda uma manta no
centro do salar. E ponha música a tocar.” Prossegue, sorridente mas en-
fático: “Pink Floyd. Oiça Pink Floyd. E volte os olhos para o fi rmamento.”
De seguida, o vice-presidente esboça um gesto com a mão para denotar
que o resto será evidente.
A VIAGEM DE AUTOMÓVEL, de um dia, desde a capital mais alta do planeta até à
maior planície salgada do mundo proporciona uma digressão pelo país mais
pobre da América do Sul. Saindo da zona baixa de La Paz, permanentemente
entupida pelo trânsito automóvel e manifestações políticas, a estrada sobe até
El Alto, o bastião operário do segundo maior grupo indígena da Bolívia, os
aymara, migrantes oriundos dos planaltos dos Andes. Nas sete horas que se
seguem, a rota vai descendo sem parar através de aldeias onde se avistam
efígies de potenciais ladrões amarradas a árvores, como que em sinal de aviso,
passando pela cidade mineira de Oruro.
José Edmundo
Arroyo, que trabalha
na construção da
fábrica-piloto de lítio,
termina o seu turno.
Até agora, a população
indígena local
colheu escassos
benefícios
da fábrica, que
contratou maioritaria-
mente operários
especializados em
La Paz ou Potosí.
MAPAS NGM