O DERRADEIRO SACRIFÍCIO 53
ombro a perfurar o fardo de algodão áspero que
o envolve. Por fim, acabam por surgir os restos
mortais de um minúsculo lama de pêlo dourado,
enrolado ao lado da criança.
Gabriel Prieto, professor de arqueologia na
Universidade Nacional de Trujillo, espreita para
o interior da sepultura e faz um sinal de assenti-
mento com a cabeça. “Noventa e cinco”, anuncia.
O investigador está a contar o número de vítimas
e esta, identificada com a etiqueta E95, é a 95.ª
escavada desde que ele começou a investigar este
local de sepultamento colectivo em 2011. Esta tris-
te contagem, feita aqui e num segundo local de sa-
crifícios nas imediações, contabilizou três adultos
e 269 crianças, com idades compreendidas entre
5 e 14 anos. Todas as vítimas pereceram há mais
de quinhentos anos, na sequência de actos cuida-
dosamente encenados de um sacrifício ritual que
talvez não tenha precedentes na história mundial.
“Este achado é completamente inesperado”,
exclama Gabriel Prieto, abanando a cabeça em si-
nal de perplexidade. Estas palavras tornaram-se
uma espécie de mantra para este arqueólogo que
tenta compreender o achado tenebroso no sítio
arqueológico de Huanchaquito-Las Llamas. Nos
nossos tempos e na nossa cultura, a morte vio-
lenta de uma única criança faz abalar o coração
mais empedernido e o espectro de uma matança
colectiva causa horror a qualquer mente saudá-
vel. Por isso, fazemos a pergunta: que circunstân-
cias desesperadas poderiam justificar um acto
inimaginável?