National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

(Antfer) #1

56 NATIONAL GEOGRAPHIC


Os arqueólogos têm


encontrado indícios


de sacrifícios humanos


emtodoomundo,masé


raro encontrar provas


de sacrifícios em massa


de crianças, comoas


de Huanchaquito -


-Las Llamas.


OS ARQUEÓLOGOS TÊM DESCOBERTO vestígios de
sacrifícios humanos em todas as regiões do mundo.
As vítimas podem atingir as centenas e, muitas
vezes, são consideradas prisioneiros de guerra, bai-
xas provocadas por combates rituais ou vassalos
abatidos após a morte de um chefe ou após a cons-
trução de um edifício sagrado. Os textos antigos,
incluindo a Bíblia dos Hebreus, documentam a
prática do sacrifício infantil, mas as provas de assas-
sínios colectivos são raras no registo arqueológico.
Até à descoberta de Huanchaquito, a maior
matança colectiva de crianças conhecida no conti-
nente americano – e possivelmente no mundo
inteiro – era a do Templo Mayor da capital azteca
de Tenochtitlán (a actual Cidade do México), onde
42 crianças foram mortas no século XV.
Gabriel Prieto cresceu em Huanchaco, a cidade
mais próxima da aldeia de Huanchaquito. Lembra-
-se de passar tardes inteiras no limite sul da cidade,
a explorar as ruínas dos edifícios de adobe de Chan
Chan, a antiga capital dos chimu. No seu apogeu,
durante o século XV, Chan Chan foi uma das maio-
res cidades do continente americano, a sede de um
império que abrangia cerca de quinhentos quiló-
metros de extensão ao longo da costa peruana.
Essas experiências da infância inspiraram Ga-
briel Prieto a tornar-se arqueólogo. Após concluir
o doutoramento em Yale, regressou à sua cidade
natal para escavar um templo com 3500 anos.
Foi então que, em 2011, o dono de uma loja de
pizzas local trouxe notícias alarmantes: os seus
fi lhos e os cães do bairro andavam a encontrar os-
sos humanos na areia de um terreno desocupado.
O indivíduo implorou ao arqueólogo que investi-
gasse a situação.


A princípio, Gabriel pensou que o sítio fosse
simplesmente um cemitério há muito esquecido.
No entanto, após recuperar os restos mortais de
várias crianças envoltas em mortalhas (vestígios
datados por radiocarbono de 1400 a 1450 d.C.),
o arqueólogo compreendeu que tropeçara num
achado muito mais importante.
As sepulturas não eram típicas dos chimu. As
crianças tinham sido enterradas em posições inu-
sitadas – em decúbito dorsal, ou de lado, enroladas
sobre si mesmas, em vez de sentadas, direitas, como
era costume – e faltavam-lhes os adornos, objectos
cerâmicos e outros artefactos funerários habitual-
mente encontrados em sepulturas desta cultura.
Em vez disso, muitas tinham sido enterradas
com lamas – e, possivelmente, alpacas – muito
novos. Como fontes vitais de alimento, fi bra e
transporte, estes animais andinos encontravam-
-se entre os bens mais valiosos dos chimu. E, por
fi m, havia mais uma circunstância inusitada:
muitas crianças e animais tinham marcas visíveis
de cortes no esterno e nas costelas.
Gabriel Prieto pediu ajuda a John Verano, espe-
cialista em antropologia forense da Universidade
de Tulane. John acumula décadas de experiência
na análise de provas físicas de violência ritual nos
Andes, incluindo um massacre perpetrado pelos
chimu no século XIII, de cerca de 200 homens e
rapazes no sítio de Punta Lobos.
Após exame dos restos mortais de Huancha-
quito, confi rmou que as crianças e os animais
tinham sido propositadamente assassinados da
mesma maneira: com um golpe transversal ao
esterno, provavelmente seguido da remoção do
coração. Sentiu-se impressionado com a locali-
zação do corte, bem como com a inexistência de
quaisquer “marcas de hesitação” (avanços-recuos
da lâmina da faca) sobre os ossos. “Trata-se de
uma matança ritual e é muito sistemática”, disse.
A reconstituição dos acontecimentos em
Huanchaquito é difícil, sobretudo porque os
arqueólogos e os historiadores sabem pouco
acerca dos chimu. O seu império poderá ser o
maior de que alguma vez se ouviu falar, mas os
manuais de história debruçam-se muito mais
sobre as duas civilizações que ocupam um lu-
gar mais importante na imaginação popular:
os moche, cujos impressionantes murais ilus-
tram o sacrifício sangrento de prisioneiros de
guerra, e os incas, que venceram os chimu por
volta de 1470, e foram, por sua vez, conquista-
dos pelos invasores espanhóis pouco mais de 60
anos depois. (Continua na pg. 66)
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