National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

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Os opositores desta indústria são uma minoria
ruidosa. Organizações de promoção do bem-estar
animal, celebridades e um número crescente de
cientistas consideram desumano, insustentável e
desnecessário o abate selectivo. As estimativas re-
ferentes às populações de cangurus são altamen-
te discutíveis, mas as “proporções de praga” são
biologicamente implausíveis. As crias crescem
vagarosamente e muitas morrem, pelo que as po-
pulações de cangurus só conseguem expandir-se
a um ritmo de 10 a 15% por ano e, mesmo assim,
só nas circunstâncias mais favoráveis.
Segundo Dwayne Bannon-Harrison, membro
da comunidade yuin, de Nova Gales do Sul, a ideia
de que os cangurus destroem o país é hilariante.
“Vivem nesta terra há muito mais tempo do que
os seres humanos”, diz. “Como é possível que algo
que existe aqui há milénios possa ‘destruir’ o país?
Não percebo a lógica deste argumento.”
Em muitos sentidos, a polémica pode reduzir-
-se a uma questão existencial: o que é um cangu-
ru? Para alguns, trata-se de uma praga que deve
ser erradicada. Para outros, é um recurso para ex-
plorar. Para outros ainda, é um animal autóctone
adorado que deve ser conservado.


“LÁ EM BAIXO FICA A TERRA DOS CANGURUS”, diz
o ecologista George Wilson, apontando pela janela
do seu Cessna para uma mancha de mata densa
2.500 metros abaixo. “Lá em baixo” ficam pasta-
gens poeirentas e o interior ressequido pelo sol,
uma paisagem frágil onde o solo fértil rapidamente
se pode transformar em pó e os recursos hídricos
nunca chegam para satisfazer a procura. O cultivo
deste território sempre foi um desafio no segundo
continente mais seco do planeta e, agora, as altera-
ções climáticas estão a exacerbar as vagas de calor
e as secas, intensificando as pressões sobre a agri-
cultura e a subsistência.
A pastagem excessiva é uma preocupação cons-
tante, afirma o criador de gado Leon Zanker. E os
cangurus só pioram a situação. Sentado à mesa da
cozinha de sua casa em Laurelvale, numa tarde de
Agosto, o corpulento agricultor explica as suas di-
ficuldades. Quando há seca, ele consegue gerir os
alimentos, a água e os animais de criação em con-
formidade. Mas os cangurus que estão nas suas
terras não lhe pertencem – são do Estado.
“Se eu deixar morrer à fome as minhas vacas
e ovelhas, posso ir parar à prisão” por crueldade
contra os animais, afirma. “Mas tenho de assistir
de pés e mãos atados, sem nada poder fazer, à de-
gradação da minha terra causada pelos cangurus.”


Na verdade, existem alternativas como as veda-
ções colectivas. Agricultores e criadores de gado
com propriedades adjacentes podem agrupar-se
e erguer, em torno das suas explorações agrícolas,
uma vedação subsidiada pelo Estado. Segundo os
críticos, porém, estas barreiras capturam cruel-
mente os cangurus, impedindo ilegalmente o seu
acesso à água e perturbando as rotas migratórias
de outros animais autóctones.
Outra alternativa é a execução. Um agricultor ou
criador de gado pode obter uma licença para aba-
ter determinado número de animais. Aquando da
minha visita, Leon Zanker tinha abatido selectiva-
mente 500 cangurus. Muitos agricultores e criado-
res de gado contratam atiradores sem formação
nem certificação, em vez dos atiradores profissio-
nais contratados e vigiados pela indústria. Esta si-
tuação gera problemas específicos, entre os quais
se inclui o estropiamento de milhares de cangurus
todos os anos por tentativas de caça ineficazes.
“Se possui uma propriedade, provavelmente
tem-na hipotecada”, explica Leon. “E o banco
quer o seu dinheiro. Ora, existe um animal que
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