Veja - Edição 2661 (2019-11-20)

(Antfer) #1
20 de novembro, 2019 15

Mas de que forma esse sistema de
caronas é diferente do proposto pela
Uber? Para começar, leve-se em conta
Nova York. A cidade americana esta-
beleceu um limite para o número de
motoristas de Uber. Na prática, aplica-
tivos como esse aumentaram o núme-
ro de carros nas ruas. São profissionais
que dirigem o dia inteiro, o tempo in-
teiro. É uma lógica cara e que lota as
vias. Já a estratégia de caronas visa a
compartilhar veículos que estariam
nas ruas, de qualquer forma. Essa é a
diferença. A carona não pretende se
tornar fonte de renda, como no Uber.
O dinheiro desembolsado serve ape-
nas para pagar os custos da viagem.

O aplicativo Uber não teve início
com objetivo similar? O método das
caronas não é atalho para arranjar
trabalho para ninguém. O Carpool
conecta apenas pessoas próximas
entre si, que moram ou trabalham
perto umas das outras. Por isso é se-
guro. Na prática, são indivíduos de
mesmo perfil socioeconômico. A ló-
gica é bem diferente.

Há outras formas de facilitar a loco-
moção nas cidades, além da oferta
de caronas? No mundo inteiro, a ten-
dência é aumentar o custo, tanto de
dinheiro quanto de tempo, de dirigir
sozinho e conceder incentivos a quem
compartilha o carro próprio. O trân-
sito, em seu cerne, é um problema
econômico. Sempre que alguém diri-
ge, a sociedade paga pelos custos, que
vão desde estabelecer as leis até repa-
rar ruas. Na prática, posso gostar de
dirigir e preferir ter um automóvel só
meu, mas com isso vou criar trânsito
e poluição para todos. Conclusão:
quanto mais despesas tiver o motoris-
ta solitário, melhor será.

Como fazer isso? Nos Estados Uni-
dos, por exemplo, o combustível é
barato e em muitas cidades há pouca
oferta de transporte público. Então,

todos são incentivados a dirigir. En-
tretanto, já estão sendo criadas for-
mas de aumentar o custo, mesmo em
termos de tempo, para quem vai sozi-
nho no veículo. É o caso da consoli-
dação das faixas exclusivas, dedica-
das a quem está com passageiros.
Assim, quem dá carona acaba tendo
uma vantagem: a economia de tempo
no trânsito, por poder utilizar as vias
prioritárias. No passado, as cidades
foram remodeladas em função dos
carros, com garagens, estacionamen-
tos, postos de abastecimento. Só que
isso criou um problema enorme. Um
carro típico só é utilizado durante
4% do dia. Nos outros 96%, ele fica
parado. Não seria mais inteligente
compartilhar todos os veículos?

Por que o motorista precisa sentir a
diferença no bolso para agir de for-
ma diferente? As pessoas não vão
mudar o comportamento só para sal-
var o mundo. Os governos têm o papel
de criar os incentivos. Se alguém ti-
vesse estacionamento gratuito por
oferecer carona, essa seria uma boa

tática. Elevar o preço do combustível
incentivará protestos. Todavia, talvez
seja a solução para aumentar a cons-
ciência em relação aos custos coleti-
vos de usar carros em demasia.

Meios alternativos de transporte,
como bicicletas e patinetes, ajudam
a solucionar essa questão? A chama-
da micromobilidade é uma parte, e re-
levante, dessa dinâmica. Mesmo com
o sistema de caronas, a patinete pode
ser útil, por exemplo, para enfrentar o
quilômetro final, talvez aquele em que
cada passageiro seguirá seu caminho.
Só que é preciso recordar que, em
grandes centros urbanos, a maior par-
te do trânsito ocorre de fora para den-
tro da cidade, como quando os cida-
dãos saem de casa para ir ao trabalho.
Em São Paulo, bicicletas e patinetes
funcionam muito bem para o ir e vir
local. Mas não dá para pegar uma pa-
tinete e ir até o aeroporto.

Quem tem mais dinheiro topará en-
trar no esquema da carona ou con-
tinuará a optar por dirigir sozinho?
O trânsito iguala todas as classes
sociais, sem distinção. Não importa
se você tem uma Ferrari ou um Fus-
ca. No trânsito, todos estão sentados
e se movendo da mesma forma. Por
isso todos querem que a fluidez me-
lhore. No Carpool, pelas caronas,
incentivamos as pessoas a mudar, a
conversar umas com as outras. O
Brasil tem uma questão de seguran-
ça pública, mas basta testar o servi-
ço uma única vez para perceber que
seus vizinhos são parecidos com vo-
cê. O aplicativo mostra quem é o
motorista. Você pode escolher só
andar com mulheres, por exemplo.
Aparentemente, a segurança pode
ser um problema, mas os usuários
logo entendem que a experiência é
segura. E esse é o ponto para con-
vencer todo mundo, seja de qual
classe social for, dos benefícios do
compartilhamento de carros. É

“O trânsito


iguala todas as


classes sociais,


sem distinção.


Não importa


se você tem


uma Ferrari


ou um Fusca.


Por isso todos


querem que a


fluidez melhore”


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