um pedaço da cruz de madeira na qual Jesus fora
crucifi cado. Pouco depois, a Igreja do Santo Sepul-
cro seria construída no local.
Cerca de 1500 anos mais tarde, o erudito e po-
lítico francês Louis-Félicien Joseph Caignart de
Saulcy iniciou a primeira escavação arqueológica
na cidade e desencadeou novo frenesi. Em 1863,
escavou um complexo de túmulos cuidadosa-
mente construídos, provocando a ira dos judeus
locais, que voltavam a enterrar de noite aquilo
que os seus trabalhadores tinham exposto duran-
te o dia. Sem esmorecer, De Saulcy transportou
para o Louvre um antigo sarcófago que continha
os restos mortais daquela que ele afi rmou ser uma
primitiva rainha dos judeus.
Outros exploradores europeus foram chegan-
do em busca dos seus próprios tesouros bíblicos.
Em 1867, os britânicos encarregaram um jovem
galês de explorar o terreno subterrâneo de Jeru-
salém. Charles Warren contratou equipas locais
para escavar poços e túneis que ocultavam o seu
trabalho dos olhares bisbilhoteiros dos funcio-
nários otomanos que então controlavam Jeru-
Em 1996, depois de o governo israelita abrir
uma saída para a passagem subterrânea ao longo
da secção da Muralha Ocidental, no Bairro Muçul-
mano da Cidade Velha, cerca de 120 pessoas mor-
reram no decurso de manifestações violentas.
Discussões posteriores sobre quem deveria con-
trolar o solo localizado sob a plataforma sagrada
a que os judeus chamam Har Ha-Bayit (Monte do
Templo) e os árabes Haram al Sharif (Nobre San-
tuário) contribuíram para inviabilizar os acordos
de paz de Oslo. Até a recente construção do Mu-
seu da Tolerância, em Jerusalém, foi alvo de pro-
testos, por ter destruído túmulos muçulmanos.
“Em Jerusalém, a arqueologia é tão sensível
que diz respeito não só à comunidade dos inves-
tigadores, mas também aos políticos e ao público
em geral”, reconhece Yuval Baruch, da Autori-
dade para as Antiguidades de Israel (IAA). Yuval
é responsável pelo atarefado escritório da IAA
em Jerusalém. Durante o seu mandato, a cidade
transformou-se num dos mais movimentados sí-
tios arqueológicos do mundo, com cerca de cem
escavações por ano.
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mah-
moud Abbas, tem-se queixado de que as escava-
ções fazem parte de uma campanha para desvalo-
rizar, com achados judaicos, 1.400 anos de legado
muçulmano. “Aqui, a arqueologia não tem apenas
objectivos de conhecimento científi co. É uma ciên-
cia política”, acrescenta Yusuf Natsheh, director de
arqueologia islâmica da Jerusalem Islamic Waqf, a
fundação religiosa responsável pela supervisão
dos lugares santos muçulmanos de Jerusalém.
Yuval Baruch desmente com veemência qual-
quer parcialidade nos resultados das escavações.
Insiste que todas as épocas merecem reconheci-
mento científi co, quer se trate dos cananeus quer
dos cruzados. Ninguém duvida de que os arqueó-
logos israelitas são dos mais bem preparados a
nível mundial. Mas também ninguém duvida de
que a arqueologia é empunhada como arma po-
lítica no confl ito israelo-árabe, dando vantagem
aos israelitas, uma vez que estes controlam todas
as concessões de licenças de escavação dentro de
Jerusalém e em seu redor.
Há muito que a política, a religião e a arqueo-
logia se encontram profundamente imbricadas
nesta cidade. Por volta de 327 d.C., a imperatriz
romana Helena presidiu à demolição de um tem-
plo romano. “Ela abriu a terra, dispersou a poeira
e descobriu três cruzes desmanteladas”, de acor-
do com uma fonte quase contemporânea. A idosa
mãe de Constantino declarou que uma delas era
salém. Os mapas do explorador, admiravel-
mente rigorosos, ainda são considerados uma
maravilha. Outro dos seus legados, porém, tal-
vezsejaadesconfiança duradoura com que os
habitantesmuçulmanosdacidadeenc
osarqueólogos.
Um século mais tarde, quando Israel captu-
rou Jerusalém Oriental, incluindo a Cidade Ve-
lha, aos exércitos árabes, durante a Guerra dos
Seis Dias, em 1967, os arqueólogos judeus ini-
ciaram importantes escavações científi cas que
se transformaram numa peça fundamental dos
esforços desenvolvidos pela jovem nação para
provar e comemorar as suas raízes ancestrais.
Encontraram palácios do século I, pertencen-
tes à elite judaica, repletos de mosaicos elegan-
tes e paredes pintadas. Mas também puseram
a descoberto partes da há muito perdida Igreja
de Nea, que fora construída 500 anos depois e
só era superada em importância pela do Santo
Sepulcro.Encontraramigualmenteas ruínas
deumenormecomplexoconstruídopelos pri-
meiros governantes muçulmanos.