Público - 01.11.2019

(Ron) #1

22 • Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019


SOCIEDADE


NELSON GARRIDO

Gondomar tem de devolver parte do


terreno onde construiu um cemitério


O cemitério foi construído
durante o mandato de Valentim
Loureiro

A Câmara de Gondomar foi condena-
da, em sentença já transitada em jul-
gado, a devolver aos legítimos pro-
prietários parte do terreno em que
funciona o Cemitério n.º 2 de Rio Tin-
to, no estado em que estava antes da
construção do espaço e “dele remo-
vendo tudo o que for de sua perten-
ça”. O presidente da autarquia, Marco
Martins, diz que está disponível para
resolver a questão, mas não através
da mudança do cemitério. “A nossa
principal preocupação é evitar alar-
me social e garantir que não vai haver
alterações no cemitério”, diz.
O processo arrasta-se nos tribunais
desde 2005, mas, depois de esgota-
dos todos os recursos, a autarquia
Æcou sem mais hipóteses desde que
a sentença transitou em julgado, em
Julho. A acção fora interposta por
duas mulheres que detêm, parcial-
mente, parte do terreno em que foi
construído o cemitério n.º 2 de Rio
Tinto, em frente ao Bairro do Senhor
dos AÇitos, e que, logo em 2001,
quando a obra de terraplanagem da
antiga pedreira arrancou, tentaram
alertar o município, então presidido
por Valentim Loureiro, que estava a


tários do terreno, mas segundo algu-
mas condições. O acordo só será feito
com todos e sobre a totalidade do
terreno — ou seja, a área ocupada pelo
cemitério e a que está ocupada por
arruamentos e parte do bairro social
—, pois só assim será possível evitar
acções futuras relacionadas com este
caso. E é também necessário que
estes apresentem uma proposta con-
creta do valor que pretendem pelas
parcelas em causa, defende. “O único
contacto que temos até agora do man-
datário [das autoras da acção] é dan-
do a indicação que querem dinheiro,
mas nunca nos propuseram sequer
um valor”, argumenta o autarca,
acrescentando: “Quando todos se
juntarem e vierem junto da câmara
apresentar uma proposta, estamos
disponíveis para negociar.”
Marco Martins aÆrma ainda que o
município comprou o terreno “de
boa-fé” e que, agora, irá “avançar
com uma acção contra a imobiliária”,
admitindo que esta possa fazer o mes-
mo em relação a quem lhes vendeu o
terreno. O PÚBLICO tentou ouvir a
EÆmóveis, mas tal não foi possível.
Seja qual for o desfecho, Marco Mar-
tins garante: não vai haver demolição
do cemitério.

Tribunal diz que o município tem de remover “tudo o que for de sua pertença”, mas o presidente


da Câmara de Gondomar garante que o cemitério se vai manter e que esta sentença “não é exequível”


Justiça


Patrícia Carvalho


[email protected]

Até agora a Câmara de Gondomar
nada fez para cumprir a sentença, que
obrigaria à destruição de parte do
cemitério — e consequentemente à
retirada dos corpos que aí se encon-
tram —, e nem vai fazer, garante Marco
Martins. “A sentença não é exequível.
O cemitério foi integrado no domínio
público municipal e, de acordo com
a jurisprudência, o domínio público
municipal é inviolável”, defende.
O sucessor de Valentim Loureiro
— que diz ter herdado cerca de 400
processos judiciais, que representa-
vam “pendências de 900 milhões de
euros”, dos quais “mais de 250 foram
resolvidos por acordo” — acrescenta
que a autarquia vai aguardar que seja
pedida, junto do tribunal, a execução
da sentença para então apresentar a
sua defesa. E esta passa pela “conver-
são da sentença numa eventual com-
pensação [monetária]”, já que a
câmara não admite qualquer altera-
ção ao cemitério.
Marco Martins diz que a autarquia
está “mais do que disponível” para
chegar a um acordo com os proprie-

intervir em terreno que não lhe per-
tencia. O tribunal deu como provado
que, do terreno de 10 mil metros qua-
drados que pertence às duas autoras
da acção e a outros familiares, o cemi-
tério ocupa, actualmente, 1757,96
metros quadrados, o que representa
quase metade da estrutura actual.
A história começa quando os her-
deiros do proprietário de um terreno
contíguo ao que é objecto da senten-
ça pediram a alteração da área do
terreno que possuíam de 1480 para
30 mil metros quadrados. Um pedido
para o qual, segundo o tribunal, não
foi apresentada uma justiÆcação “cre-
dível”. Mas a verdade é que a área foi
alterada e dos novos 30 mil metros
quadrados que passaram a constar na
Conservatória do Registo Predial de
Gondomar, 900 metros quadrados
foram desanexados. Os dois irmãos
Æcaram, assim, supostamente, na
posse de um terreno de 29.100 metros
quadrados que venderam à sociedade
EÆmóveis — Imobiliária, Sociedade
Anónima. É deste terreno que a imo-
biliária vende à Câmara de Gondomar
15 mil metros quadrados pelo preço
de 90 milhões de escudos (cerca de
450 mil euros), “livre de quaisquer
encargos ou ónus”.
E foi neste terreno que a Câmara de
Gondomar erigiu o novo cemitério.

O problema, conÆrmou-se agora, é
que o terreno não estava, aÆnal, livre
de encargos, e nem sequer poderia
ter sido vendido, porque parte dele
não pertencia a quem o vendeu.
Um perito indicado pelo tribunal
veio conÆrmar que o cemitério está
construído sobre 1757,96 metros qua-
drados do terreno das autoras da
acção, mas determinou mais. Con-
cluiu ainda que outros 2888,73 metros
quadrados desta propriedade estão,
actualmente, “ocupados por arrua-
mentos, passeios” e “três edifícios
destinados a habitação social”. Ou
seja, três dos prédios do Bairro do
Senhor dos AÇitos estão erigidos, par-
cialmente, sobre o terreno das auto-
ras da acção e dos familiares que com
elas herdaram o imóvel. Contudo,
sobre este problema o tribunal escla-
receu “terão os autores de discutir a
matéria em futura acção judicial”.
O tribunal pronunciou-se, sim,
sobre a questão do cemitério e, nesta
matéria, condenou a câmara a “reco-
nhecer que os autores são compro-
prietários” do terreno em causa, a
“demolir a obra [aí] ediÆcada (...), na
área de 1757,96 metros quadrados
(...), dele removendo tudo o que for
de sua pertença” e a “repor o prédio
(...) no estado em que se encontrava
antes da sua ocupação pela ré”.
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