Público - 01.11.2019

(Ron) #1
Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019 • 29

ECONOMIA


Banco Central Europeu, parece ter
acentuado o sentimento de divisão
dentro do BCE. De uma forma inédi-
ta, vários governadores de bancos
centrais nacionais criticaram a deci-
são de retomar as compras de dívida
poucas horas depois de Mario Draghi
a ter justiÆcado na conferência de
imprensa a seguir à reunião.
Também signiÆcativo foi o facto
de, para além dos já esperados gover-
nadores da Alemanha, Áustria e
Holanda, se ter juntado desta vez ao
grupo crítico o governador francês,
o que fez com que na oposição esti-
vessem representantes de mais de
50% do PIB da zona euro (em termos
de voto, a maioria que apoiou a medi-
da, que inclui Portugal, continuou a
ser muito signiÆcativa).
Para além disso, para piorar ainda
mais o ambiente, foi divulgado a
meios de comunicação social o con-
teúdo do parecer dos comités técni-
cos do BCE relativamente à compra
de dívida, que tinha sido negativo, o
que mostra que a oposição a Draghi
está disposta a ir cada vez mais longe
na sua tentativa de contrariar o rumo
seguido pelo BCE.
A complicar as contas está ainda o
facto de o BCE, em particular o seu
conselho executivo (o órgão com seis
membros, incluindo o presidente,
que, para além dos governadores
também têm direito de voto nas deci-
sões do banco), estar a sofrer uma
forte remodelação.
Para além da entrada de Lagarde,
irão sair no Ænal do ano o francês
Benoít Coueré (um dos principais
aliados de Draghi) e, já em Novem-
bro, a alemã Sabine Lautenschlaeger.
Entrarão o italiano Fabio Panneta e a
alemã Isabel Schnabel.
O papel a desempenhar por esta
última será crucial para perceber
qual será o clima durante a presidên-
cia Lagarde. A economista alemã,
apesar de já se ter também manifes-
tado contra a compra de dívida públi-
ca por parte do BCE, parece ter uma
atitude de maior abertura em relação
aos argumentos que neste momento
são maioritários dentro do BCE. Para
além disso, ao contrário da anterior
representante alemã no conselho
executivo, é uma pessoa com mais
apetência para o debate sobre políti-
ca monetária, o que lhe irá dar um
papel mais relevante na formulação
das políticas do BCE.
É com este ambiente difícil que
Christine Lagarde terá de trabalhar.
A dúvida, para já, permanece: irá a
francesa optará por seguir o cami-
nho de Draghi, que não deu grande
importância aos votos minoritários
dentro do banco? Ou irá antes esfor-
çar-se por conseguir uma conver-
gência de opiniões, nem que para
isso tenha de aceitar fazer algumas
cedências?

[email protected]

mesmo acentuar o discurso de defe-
sa de uma política orçamental mais
expansionista na zona euro, seja por
via dos orçamentos nacionais, seja
através da criação de um instrumen-
to orçamental central da zona euro
mais poderoso do que o até agora
aprovado.
Mudar a política orçamental de
países como a Alemanha, que valo-
rizam muito o equilíbrio das contas
públicas, não parece tarefa fácil, mas
se a economia da zona euro travar e
as armas do BCE se revelarem
cada vez menos eÆcazes,
poderá nem ser preciso
que Lagarde tenha de
fazer um grande esforço
para convencer os Gover-
nos a entrar em acção.

Um mundo de
guerras cambiais
Cada vez que decidir mexer
nas taxas de juro ou alterar
o valor das compras mensais
de dívida pública que o BCE
faz, Christine Lagarde sabe
que não vai estar só a ser
ouvida nos diversos países da
zona euro. Por exemplo, em
Washington, na Casa Branca,
o Presidente Donald Trump
vai estar atento a qualquer
medida expansionista vinda
do BCE e preparado para
minutos depois emitir a sua
opinião no Twitter.
Foi isso que o Presidente
norte-americano fez quando
Mario Draghi anunciou em
Setembro as suas novas medidas
de estímulo. Para Trump, aquilo
que o BCE está a fazer é reduzir
propositadamente o valor do euro
face ao dólar, para assim tornar os
produtos europeus mais competiti-
vos do que os produzidos nos EUA.
Ao mesmo tempo, a Casa Branca
aproveita para pressionar a Reserva
Federal a fazer o mesmo para con-
trariar o que diz ser a manipulação
cambial dos outros países.
O BCE de Christine Lagarde, mais
do que o dos anos anteriores, vai
viver num clima de guerra fria
comercial e cambial no mundo. Isso
faz com que, por muito que o man-
dato do BCE seja apenas o de garan-
tir a estabilidade de preços na zona
euro, outro tipo de considerações
tenha que ser levado em conta.
Também aqui, a sua experiência
à frente do FMI é relevante. O fundo
tem sido, nos últimos anos, a insti-
tuição internacional que mais avisos
tem feito contra a escalada das polí-
ticas proteccionistas no globo que
aconteceu desde que Donald Trump
foi eleito nos Estados Unidos.
Agora, Lagarde deixa o papel de
observadora e mediadora que tinha
no Fundo Monetário Internacional,
para entrar directamente num dos

pontos fulcrais onde essa guerra se
pode desenrolar: os bancos cen-
trais.

Gerir divisões internas


Christine Lagarde não vai estar sozi-
nha a tomar decisões no BCE. O ban-
co central decide de forma colegial
através do conselho de governadores,
que é composto por seis membros do
conselho executivo e pelos 19 gover-
nadores dos bancos centrais nacio-
nais. E aquilo que Lagarde recebe de
Draghi é um conselho de governado-
res onde os sinais de divisão são mais
evidentes do que nunca.
Desde há muito tempo, mesmo
antes do mandato de Draghi, que é
evidente o descontentamento dos
representantes da Alemanha dentro
do BCE pelo rumo seguido pelo ban-
co central europeu na sua política
monetária.
Jens Waidmann, o presidente do
Bundesbank, votou diversas vezes
contra decisões tomadas pela maioria
dos membros do conselho do BCE. O
mesmo Æzeram os escolhidos pela
Alemanha para o conselho executivo,
sendo que últimos três — Juergen
Stark, Joerg Asmussen e, este mês,
Sabine Lautenschlaeger — abandona-
ram o cargo antes do Ænal do seu
mandato.
Na Alemanha, as taxas de juro mui-
to baixas (e até negativas) do BCE são
vistas como desnecessárias na actual
conjuntura, arriscadas tendo em con-
ta uma eventual subida futura da
inÇação, e com efeitos negativos para
os aforradores, que Æcam com mais
diÆculdade em retirar rendimento
das suas poupanças.
Para além disso, o programa de
compra de dívida pública adoptado
a partir de 2015 pelo BCE (e retomado
este mês de Novembro) é muito criti-
cado por estar a incentivar os países
pouco disciplinados a não corrigir os
seus desequilíbrios orçamentais. Os
alemães contam com alguns aliados
dentro do BCE, mas estes contam-se
com os dedos de uma mão: a Holan-
da, e em algumas ocasiões, países
como a Áustria e a Finlândia.
Ao longo dos últimos oito anos,
Mario Draghi não parece ter sido
afectado pelo facto de, quase em
permanência, ter a maior economia
da zona euro em oposição dentro do
BCE, mantendo, com o apoio da lar-
ga maioria dos membros do conse-
lho de governadores, as políticas
expansionistas que considera neces-
sárias para combater o risco de
deÇação.
E não teve dúvidas em, na penúlti-
ma reunião que liderou, avançar para
mais uma descida da taxa de juros de
depósitos e para o reinício do progra-
ma de compra de dívida pública.
Esta última decisão, que acabará
por ter de ser passada à prática já
com Christine Lagarde à frente do

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