Freud e seus Fantasmas - Rafael Rocha Daud

(Antfer) #1

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Freud havia aceitado essa paciente não porque prometia
curá-la da sua suposta doença, mas porque verificava nela
um nível de angústia e sofrimento que acreditava poder
tratar. Tal angústia não se dava, sem dúvida alguma, pelo
fato de sua homossexualidade, mas por todos os conflitos
em que havia se metido, independentemente disso. Freud
pôs-se a escutá-la.


O que ocorre é que essa paciente rapidamente se
interessa pelo médico Freud e passa a falar bastante de
sua vida, com um interesse genuíno de colaborar com
o tratamento. Freud lhe explica, então, a natureza dos
sonhos, sua descoberta e sua tese bem defendida de que
eles eram, em sua totalidade, realizações de desejos. A
paciente demonstra compreender isso.


Na sessão seguinte, ela traz um relato de um sonho. Seu
sonho era, muito simplesmente, que fazia amor com um
homem. Exultante, afirma para seu analista: “Você tinha
razão, os sonhos são realizações de desejos e como acabei
de sonhar que beijava um homem, isto significa que estou
curada, não sou mais lésbica, meu interesse agora se volta
para homens”.


Freud não se deixou enganar. Ele sabia que se havia algum
homem por quem ela se interessava, era ele mesmo, e não
num sentido sexual: a análise produz um fenômeno que ele
havia descoberto anos antes, que chamou de transferência,
ou amor de transferência: o paciente sob análise passa
a atribuir ao seu analista poderes especiais, um tipo de
ascendência ou magnificência que normalmente não teria,
como se esse analista fosse a única pessoa, mais do que ela
própria, a compreender seus sentimentos, seu sofrimento.
Existe outro tipo de transferência, a transferência negativa,
em que a supervalorização do analista é substituída pelo

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