Folha de São Paulo - 19.10.2019

(Ron) #1

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poder


A16 Sábado,19dEoutubrodE2 019



  • FlávioFerreira


SãoPauloAlentidão daJus-
tiçaresultou na prescrição
do processo criminalcontra
olíderdaIgrejaUniversaldo
Reino deDeus, Edir Macedo,
74 ,eoBispoJoãoBatista, 75 ,
ambos acusadosdelavagem
de dinheiroeoutros delitos.
SegundooMinistérioPú-
blicoFederal,aaçãopenal
completou oitoanos sem jul-
gamentoemsetembro, eas-
sim se esgotouoprazolegal
para aplicareventuais penas
aMacedoeBatista(queéve-
reador peloRepublicanos em
SãoBernardo doCampo).
EdirMacedofoi inicialmen-
te denunciadosobaacusação
de quatrocrimes:lavagem de
dinheiro(atingido pela pres-
crição no mês passado),eva-
são de divisas, associação cri-
minosaefalsidade ideológica.
Todosagoraestão prescritos.
Em nota,aIgrejaUniversal
afirmou queasacusações “são
completamenteequivocadas,
além de quase idênticasaou-
tras que deram origemapro-
cessoseinquéritos já julgados
earquivados”.
Oprocesso,na 2 ªVaraCri-
minalFederal em SP,jáhavia
superadono anopassado a
etapa de alegaçõesfinaise,
desdeentão,estavapronto
parareceber sentença, mas
atéhojeaguarda uma decisão.
Ocrime de lavagemtem pe-
na máxima de 10 anos de pri-
sãoeprazoprescricionalde
16 anos. Porémosdoisréus
são beneficiados pelaregra
doCódigoPenal quereduz
pela metadeacontagem da
prescrição para acusadoscom
mais de 70 anos de idade—de
8 anos,então,nocasodeles.
Já os crimes deevasão de di-
visaseassociaçãocriminosa
tiveram as prescrições decre-
tadas noano passado pelava-
ra federal, quetemcomo titu-
larajuíza Silvia MariaRocha.
Odefalsidade ideológica teve
aprescriçãoreconhecida logo
no início do processo.
Segundooprocuradorda
RepúblicaSílvio Luís de Oli-
veira,responsávelpelopro-
cesso,quando ocorrerojul-
gamentoesehouverconde-
nações,aexecuçãodas penas
só poderáser determinada em
relação aos outros doisréus,
oex-bispoPauloRobertoGo-
mes da Conceiçãoeaexecu-
tivaAlbaMaria SilvadaCos-
ta,emrazão das prescrições.
Quantoaosupostocrime de
lavagemdedinheiro,emsuas
alegações finaisno ano passa-
dooprocurador pediuaab-
solvição de MacedoeBatista.


Justiça deixaprescrever ação contra


Edir Macedo pronta parajulgamento


Processocompletou oitoanos em setembro, ebisposda universal não poderão mais ser punidos


dessa decisão,não obtevesu-
cesso em seu intento. Com is-
so,apartedas acusações que
sobrou, principalmentecon-
traEdir Macedo,restou subs-
tancialmente desidratada. Por
uma série derazões jurídicas
[...]aacusação perdeuo‘gros-
so’ da importância”.
“Tantoqueopróprio Minis-
térioPúblicoFederal esqueceu
de mencionar que em suasale-
gações finais pediuaabsolvi-
çãodeEdirMacedopelo crime
de lavagemdedinheiro. As-
sim sendo, prescrição,ouab-
solvição puraesimples, qual
adiferençaparaocombativo
órgãoministerial?”, afirmou.
Ajuízadisse queoprocesso
ficou paralisadoatéjunho de
2018 aguardandoojulgamen-
to de umrecurso daProcura-
dorianoTribunalRegionalFe-
deral da 3 ªRegiãocontraade-
cisão deCavali de 2011.
SegundoRocha,otribunal
confirmouadecisãodeCa-
vali e“oprocessoretomou o
seuregularandamentopra-
ticamenteprescrito”.
Procurado pelaFolha,oju-
iz Cavali disseque“a decisão
querecebeu parcialmentea
denúncia —à qual nãotenho
maisacesso—foipor mim
proferida em 2011 emantida
integralmentepelo TRF- 3 ,pe-
lo STJepeloSTF.”
“Nãoatuei maisnoreferido
processo desde 2011 ,demodo
que meéimpossívelcomen-
tarasrazões dademora pro-
cessualque levaramàpres-
crição”,acrescentou Cavali.
Em nota,aIgreja Universal
afirmou queasacusações “são
completamenteequivocadas,
além de quase idênticasaou-
tras que deram origemapro-
cessoseinquéritos já julgados
earquivados”.
“Emboraperseguidoein-
vestigado durantemuitotem-
po por autoridadesjudiciári-
as, deformareiterada,apró-
priaJustiçatemreconheci-
doainocência do BispoEdir
Macedo. AIgreja Universal do
Reino deDeus temconvicção
de queesse processoterá igual
destino”,afirmaanota.
OBispoJoãoBatista, em no-
ta,negouaprática dos crimes
indicados na acusação.
“Fui inseridonadenúncia
sem que houvesse provade
minha participação em qual-
quer ilícitopenal,tãosomen-
te emrazão de posição de des-
taque pormim ocupadana
IgrejaUniversalàépocados
fatos”,disse overeador.
“Não obstantetenhase
aperfeiçoadoaprescrição
da pretensão punitivaesta-
tal, cumprerecordar que, ao
final do processo,opróprio
MinistérioPúblicoFederal,
responsávelpelo oferecimen-
toda denúnciaem questão,
pugnoupor minha absolvi-
ção—permitindoque secon-
clua que, defato,seestavadi-
antedeacusaçãoinfundada.”
Procurada,adefesa doex-
bispoPauloRobertoGomes
daConceiçãoedaexecutiva
AlbaMaria SilvadaCostanão
se manifestou.

$
Comoocorreuaprescriçãonocaso dos bispos da Igreja Universal

1ª EtApA
Verificação da pena
máxima do crime
SegundooCódigoPenal, na
primeira instância da Justiça
aprescriçãoécalculadacom
parâmetro na penamáxima
do crime. No caso dos bispos
da Universal,aacusação mais
gravefoi adeprática
de lavagem de dinheiro,
cuja pena máximaéde
10 anos de prisão

2ª EtApA
Enquadramentonatabelado
artigo109 do Códigopenal
Asegundaetapa do cálculo
éfeitaenquadrandoapena
máxima do crime.Oquadro
legalestabeleceque oprazo
prescricionaléde16anosnas
hipóteses em queomáximo da
penaésuperiora8anosenão
excede a12anos.Assim, nos
crimesdelavagem de dinheiro
aprescrição ocorreem16anos

3ª EtApA
Verificação da idade dosréus
De acordocomoCódigo
Penal,oprazo de prescrição
paraosmaiores de 70 anosé
reduzido pelametade.
ComoEdir Macedotem
anoseBispo JoãoBatista,
75, oprazo prescricional
paraeles emrelação à
acusação de prática de
lavagem de dinheirocai pela
metade,efica em8anos

4ª EtApA
Apuração da datainicial da
contagem da prescrição
Omarco inicialfoiem16.set.11,
quandoa2ªVaraCriminal
Federal aceitouadenúncia e
deu inícioàação penal.Assim,
aprescrição emrelação ao
supostodelitodelavagem de
MacedoeBatistaocorreu em
set.19, oitoanos apósocomeço
do processo,que ainda não
temsentença de 1ª instância

Amudançanaorientação
daProcuradoriaocorreu por-
que, ao analisaradenúncia,
em 2011 ,ojuizMarcelo Cos-
tenaroCavali, que substitu-
ía Rocha, discordou da acu-
sação do procurador de que
aorigem da lavagemdecapi-
tais tinha sido um esteliona-
to contrafiéis da igreja.
Ele entendeu quealavagem
tinha sido precedida poreva-
são decapitaisedeterminou
queoprocesso seguisse sob
essa linha de acusação.
Porém, nas alegações finais,
oprocurador disse que não
haviaprovassuficientes para
demonstraralavagem antece-
dida porevasãode divisas—e
então pediu as absolvições.
Orequerimentodoprocu-
rador,todavia, não obrigou a
juízaaseguiraorientaçãodo
MinistérioPúblico, eamagis-
trada poderiacondenar ou ab-
solver MacedoeBatistasegun-
do seu entendimento sobreos
aspectostécnicos dacausa.

Oprocessocomeçouemse-
tembrode 2011 ,apósadenún-
cia criminal daProcuradoria
relatarque dirigentesdaUni-
versal adotaram estratégias
parausarodinheirodoado
por fiéisemoperações fraudu-
lentas e, assim,comprar emis-
sorasdeTVerádioebens.
Deacordocomoprocura-
dor,oesquemautilizouem-
presas offshoreecontas no
exterior. Aacusaçãoapresen-
touumhistóricodas opera-
ções financeirasatribuídas a
dirigentes da Universal desde
ocomeçode década de 1990.
Astransferências de dinhei-
ro vivo tambémocorreram en-
treporta-malas decarros, nos
estacionamentos detemplos
da Universal ouentrecofres
alugados em uma mesma ins-
tituição financeira, de acordo
comosdepoentes.
Os doleirosaserviçodos
réus também encaminharam
valores paracontascontrola-
das porpessoas ligadasàUni-

versal em cincobancos nos
EUA, segundoaacusação.
Odinheirovoltou ao Brasil
por meio de empréstimosrea-
lizados pelas offshores emfa-
vordepessoas ligadasàUni-
versal, queatuavamcomo la-
ranjas,eosrecursosforam
usados paracomprar bens e
participaçõesememissoras,
de acordocomadenúncia.
SegundooMinistérioPú-
blico, dados oficiaisforneci-
dos pelaReceitaFederal mos-
tram queaUniversal arreca-
dou mais de R$ 5 bilhões de
2003 a 2006.
Em junho de 2005 ,quando
eradeputadofederalepresi-
dente da Universal,oBispoJo-
ãoBatista foiabordado pela
polícia no aeroportodeBrasí-
lia commalas de dinheiroque
abrigavamcercadeR$ 10 mi-
lhões em espécie.
Osvaloresforamapreendi-
dos e, no dia seguinte,Batista,
que erafiliadoaoPFL,atual
DEM,foiexpulsodopartido.

EleeaUniversal alegaram à
época queodinheiro erapro-
venientededoações de fiéis.

Juízadiz que processo


tem problemas graves;


Igrejadeclarainocência


OutrOladO
Ajuíza SilviaMariaRocha afir-
mou, por email,queoproces-
so relativoaos bispos da Uni-
versal “teveproblemas graves
desdeoinício quando outro
juiz de primeira instânciare-
jeitou significativaeparteim-
portantedadenúncia, onde
estavam descritas grande par-
te dascondutas delituosasim-
putadasaesseréu”.
Amagistradareferiu-se ao
juizMarcelo CostenaroCavali,
queasubstituía em setembro
de 2011 eanalisouadenúncia.
Segundo ela,“embora tenha
recorridooMinistérioPúblico

ObispoEdir Macedo durantecultonoRio de Janeiroem2 017 DaniloVerpa-8.jul.17/Folhapress

Procuradoria acusa majordegenocídio de indígenas na ditadura



  • RubensValente


BRaSÍlIaOMinistérioPúbli-
co Federal ajuizou ação penal
públicacontraomajorrefor-
mado da Polícia MilitardeMG
Manoel dosSantosPinheiro,
88 ,por supostocrime dege-
nocídiocontraindígenas na
ditaduramilitar ( 1964 - 1985 ).
Ex-comandante da patrulha
rural da PM mineira,Pinheiro
foinomeado pela ditadura,em
dezembrode 1968 ,cheferegio-
nal daFunai(FundaçãoNacio-
naldoÍndio)deMinaseBahia.
Omajorcomandouochama-
do “reformatório” Krenak,um
eufemismoparaprisão de in-
dígenas,criouecoordenou a
Grin (GuardaRuralIndígena)
efoi oresponsável, dizoMPF,
pela“remoçãoforçada (exílio)
doterritório tradicionalmente
ocupado” pelos krenaks.
Os procuradores apontam
que os três episódios são “gra-
vesviolações aos direitos hu-
manos”,praticadas “com níti-


da intenção de destruição do
grupo étnicokrenak”.
Apetição do MinistérioPú-
blico Federal, subscritapelos
procuradoresdaRepública Li-
lian Miranda MachadoeEd-
mundo AntonioDiasNetto
Junior,estásobavaliação da
JustiçaFederal, que decidirá
se acolhe ou nãoadenúncia.
Pela lei 2. 889 ,de 1956 ,pra-
ticacrime degenocídioquem
“com intenção de destruir,no
todo ou em parte, gruponaci-
onal, étnico, racial oureligio-
so” praticacincoatos, dentre
os quais “causar lesãoàintegri-
dade física ou mental de mem-
bros do grupo”,“submeter o
grupoacondições deexistên-
ciacapazesde ocasionar- lhes a
destruição físicatotal ou par-
cial”e“adotar medidasdesti-
nadasaimpedir os nascimen-
tosnoseio do grupo”.
Aspenas nas três práticas
citadascontraomilitar osci-
lam de um a 15 anos deprisão.
Para oMPF,ascondutas de

Pinheironão estão sujeitasàs
regras deextinção de punibili-
dade previstas na Lei da Anis-
tia,de 1979 ,enoCódigo Penal,
de 1940 ,pois “foramcometidas
nocontextodeumataque sis-
temáticoegeneralizadocon-
traapopulação brasileiradu-
ranteaditaduramilitar”.
Os procuradoresatribuem
aPinheiropapel determinan-
te no que ocorreucomoskre-
nakseoutrasetniasnaregião
deResplendor (MG)eCarmé-
sia (MG). Em 1969 ,aditadu-
racriou uma Grin,formada
poríndios de diversas etnias.
Em 1972 ,ementrevistaao
Jornal do Brasil,Pinheirocon-
firmou quefoiele “quem cri-
ouaGrineidealizou [a pri-
são]Crenaque”.Ele chefiou a
Funai naregião de 1968 a 1973.
Aprimeiraturma da Grin,
de 1970 ,incluía indígenas ka-
rajá, kraô,xerente, maxacali
egaviãoefoi treinada “com
instruções militares, inclusi-
vede práticadetortura”,co-

mo apontou vídeogravado
na épocaelocalizadoem 2012
pelo pesquisador Marcelo Ze-
licedivulgado pelaFolhano
mesmo ano,emque índios si-
mulamouso de pau-de-arara.
Os procuradores ouviram
indígenas sobreaviolência
praticada pelos soldadosda
Grin.Douglas Krenak,por
exemplo,netodeJacóKre-
nak,líder indígena, disse que
seuavôerasubmetidoaes-
pancamentos. “Ele eraresis-
tente, então apanhava mais.”
Em ofíciooentão presiden-
te daFunai,general do Exérci-
to OscarJerônymoBandeira
de Mello,disse queaprisão era
“bem aparelhada”para“corri-
gir índios desajustados”.Apri-
sãorecebeupelo menos 94 in-
dígenasde 15 etniasoriundos
de 11 estados do país.
Osindígenas erampresos
arbitrariamente.Osubstitu-
to dePinheiroem 1973 ,João
Geraldo ItatuitimRuas,cons-
tatouque, de 150 índios pre-


Meu trabalho
já vemsendo
desenvolvido há
quase seis anos
eacho quetem
dado um bom
resultado,com
salvoextremamente
positivo

Manoel dos Santos pinheiro
em entrevistaconcedida ao
Jornaldobrasil em agostode
1972 ,quando defendeu sua
atuação paracom os indígenas

sos, “ 80 %não tinham nenhum
documentonemacausa”das
prisões. “O presídio Krenakfoi
umaverdadeira aberração ju-
rídicaesocial na história do
país”,dizem os procuradores.
Relatório de 1976 naFunai
mostraqueogovernoteveci-
ência dosfatosàépoca.
Pinheiroéacusadodeman-
tercontrole sobreavida sexu-
al dos indígenasede“condu-
zirelevaraoexíliotodososin-
dígenas” krenak daregião,ao
transferi-los, em dezembrode
1972 ,“comadeliberada inten-
çãodesubmeteroseupovo a
condições deexistênciacapa-
zesdeocasionar-lhesadestru-
ição físicatotal ou parcial”. Os
índiosforamlevados deRes-
plendor paraCarmésia (MG)
esóem 1997 recuperaramseu
território original.
Pinheirohojereside em
Congonhas (MG). Ele nãofoi
localizado pelaFolha.Procu-
rado outrasvezespelo MPF,
optou pelo silêncio.
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