Folha de São Paulo - 19.10.2019

(Ron) #1

aeee


Oprojetode liberalização
cambial apresentado ao Con-
gressoémuitoambicioso e
chegaaser irrealista, pois
nãocondizcomoestágio de
desenvolvimentoeasituação
daeconomia do país.Oque
se propõeéinstituiralivre
movimentaçãodecapitais,
aumentaraconversibilida-
de doreal efacilitaraaber-
tura decontas em moedaes-
trangeiranoBrasil.
Valendo-se de um artifício
costumeiro, oBancoCentral
misturaessas questões ma-
croeconômicas altamente
controvertidascomobjeti-
vosválidoscomoamoder-
nizaçãoeadesburocratiza-
çãodomercado decâmbio.
Odesafio,entretanto, éal-
cançar esses objetivosme-
ritórios sem fragilizarapo-
sição internacional brasilei-
ra.Nãoéoque sevê no pro-
jetodogovernofederal, que
conduzirá, se aprovado,ao
aumento da vulnerabilidade
externaeaoriscodedolari-
zação daeconomia.
Aspropostas sãoapresen-
tadascomoargumentoin-
gênuo de querepresentam
“alinhamento aos melhores
padrões internacionais”,tais
como oscódigos de libera-
lização decapitais da OC-

DE. Ignora-seofatoelemen-
tardequeregras de políti-
ca queconvêmapaísesalta-
mentedesenvolvidos,como
são em sua grande maioria
os membros da OCDE, nem
sempresão asqueconvêm
apaíses em desenvolvimen-
to comooBrasil. Ignora-se,
também,que aseconomi-
as emergentes bem-sucedi-
das são as que disciplinam
omovimentodecapitais —
China, Índiaeoutras asiáti-
cas. Eque muitos paísesda
AméricaLatina,aoseaven-
turaremprematuramente
pelocaminho da liberaliza-
çãodos movimentos deca-
pital, sofreram episódiosde
instabilidadeeconômicaque
terminaram por abortar o
seu desenvolvimento.
Ascondições daeconomia
brasileiraestão longedeper-
mitirpassostãoambiciosos.
Asituação fiscalésabidamen-
te problemática, ainda que
não sejacatastrófica,como
frequentementeseafirma.
Adívida públicatem cres-
cidocomo proporçãodoPIB,
egrande partedadívidain-
ternaédeprazocurto.Mes-
mo ascontasexternas, invo-
cadas paraargumentar que
aliberalização não oferece-
ria riscos, não sãotãoinvul-

neráveis quantoseimagina.
Odéficit do balançodepa-
gamentoemcontacorrente
érelativamentebaixo, mas
tenderáaaumentar quan-
doaeconomia serecuperar.
Asreservasinternacionais
são altas, masoBrasil não dis-
põe de um grandevolume de
reservasexcedentes. Emter-
mos de M 2 ,agregado mone-
táriousadocomo proxypara
fugapotencial decapitais, as
reservasbrasileiras são bai-
xas quandocomparadas às
de outros países emergentes.
Vale notar queodiscur-
so das autoridadeseconô-
micastemsido espantosa-
menteincongruente.Omi-
nistrodaEconomia,Paulo
Guedes, viverepetindoque o
Estado brasileiro“quebrou”,
“entrou emcolapso”,“estáin-
solvente”.Aomesmotempo,
opresidente doBancoCen-
tral propõe medidas ambici-
osas de liberalizaçãocambial
echegaaafirmar quegosta-
ria deveraconversibilidade
implementada em um prazo
de doisatrêsanos.
Apropostadeampliar a
possibilidade —hojerestri-
ta asegmentos específicos—
de pessoas físicasejurídicas
abriremcontas em moedas
estrangeirasdentrodopaís
éoutraideia infeliz. Sempre
houve resistência no Brasil a
seguir essecaminho, que de-
sembocou em elevadadola-
rização dossistemas finan-
ceiros na AméricaLatinae
em outrasregiõesdomundo.
OqueoBancoCentral pre-
tendecomoprojetodelei é
obtercartabrancaparaau-
mentaroleque decontas em
moeda estrangeiranoBra-
sil, prometendoconduzir o
processo deforma “gradual
eprudente”.Apromessa deve
serrecebidacomcautelape-
los parlamentares.Nãoére-
comendávelque um assunto
dessa importância seja deci-
dido em circuitofechado por
um grupo detecnocratasefi-
nancistas alojadosnadireção
doBancoCentralenoCon-
selho MonetárioNacional.

TudooqueoBancoCen-
tral almejacomainiciativa
écorretoemeritório,como
se lê em seuwebsite: “favo-
receroambientedenegó-
cios, particularmenteoco-
mércioexterioreaatrativi-
dade dos investimentos es-
trangeiros, maior desenvol-
vimentoaos mercados finan-
ceiroedecapitais”.
Quemécontraessa pauta,
éruimdacabeçaou doente
do pé. Acho,todavia,que a
maiorpartedotrabalhode
liberalizaçãocambialjáes-
tava praticamente completo
em 2006 (lei 11. 371 ,assinada
pela trincaneoliberal Lula-
Mantega-Meirelles) quando
foialterada umalei de 1933
queobrigavaosexportado-
resainternalizarem asdivi-
sasque produziam.
Logoantes tinha havido a
unificação dos mercadosde
câmbio(comercialeflutu-
ante,eisso nãoprecisoude
lei),enaocasiãoosdirigen-
tesdoBancoCentral circu-
lavamcom umaapresenta-
çãopower point que, no sli-
de 18 ,dizia “tudoépermiti-
do(desde que haja identifi-
cação)”. Tempos heroicos.
Ohistórico detalhadodes-
se percursoestános capítu-
los 3 e 4 do meulivro, “A Mo-
edaeaLei”(ed. Zahar). Ho-
je em dia,atelevisão não dá
maisacotação do paralelo,
masaténanovelatemmer-
chandising—ou impulsiona-
mentodeconceitos. Pois, en-
tão, temos aqui umapeque-
narecomendação de leitura.
Bem, desdeosanos 1990
vínhamosenfrentando um
problema estético: as dispo-
siçõeslegais sobremoeda es-
trangeira estavamdispersas
em muitas leis,deváriassa-
fras, algumas bem antigas.
Nada que prejudicasseavi-
gência de umaregulamenta-
çãocambialconsistentecom
aglobalização,que sefazia
no nível “infralegal”,como
dizem os advogados.
Eraumproblemade esté-
ticalegislativa, não de segu-
rançajurídica. Lembrem-se


queexistem medidas provi-
sórias,equetudo queforre-
vogado agorapoderávoltar
de um dia paraoutroemuma
canetada. Poisbem,um pro-
jetodeconsolidaçãojátrami-
tava no Congresso desde me-
adosdos anos 1990 ,mas não
eraaúnicaideia circulando
sobreessetema.
Lembrobem doex-senador
MauroBenevides (CE), pai
doatual deputado de mes-
mo nomeeassessoreconô-
micodeCiroGomes duran-
te acampanha de 2017 .Ele,
opai, tinha um projetocujo
título era“oestatutodoca-
pital estrangeiro”.Oobjetivo
eraareforma da lei 4. 131 / 62
(que disciplinaaaplicação
docapital estrangeiroeas
remessas paraoexterior),
mas numa direção imensa-
mente maisrestritiva,ocon-
trário do que pretendíamos.
OBancoCentral nuncaquis
apoiaroprojetodosimpático
senadorBenevides, nem na-
da parecido,ousobreomes-
motema,earazão eraexpli-
cada por umafala bem-hu-
moradadopróprio senador,
semprelembrada noBC:“Se
vocêsnãogostarem do meu
projeto, mandemodevocês.
Orelatorserei eu mesmo,a
gentecombinaoprodutofi-

nal”,dizia Benevides.
Nanossa percepção,ain-
tersecçãoentreasambições
liberalizantes doBC,que con-
tinuam as mesmas,easdo
senador, eram inexistentes.
Oproblema hoje nãoéo
projetodoBC—queébom
eseparececom minutas que
eu vi circular nos anos 1990 —
,mas comosubstitutivodo
relator, quevamosconhecer
em meses. Setudo dercerto,
não haverá retrocesso.
Depois de um quartodesé-
culo de moeda estável ede
muitasreservascambiais,
as ideias sobrecâmbiopro-
grediram. Muitospreconcei-
tosarraigados sobre assun-
toscambiaisse tornaram ob-
soletos. Ou não.Tomaraque
sim, mastemo que não.
Acharia mais prudentedei-
xar queotempocontinuas-
seaoperarasua mágicae
nãocorreriatantos riscos
porcontadaintroduçãode
contas em dólares parapes-
soas físicas.Naépocadain-
flaçãoera assuntoexplosivo
edesestabilizador.Hoje, me
pareceassuntovelhoeinútil,
comoolimitedeUS$ 500 pa-
ra quem viaja,que estápara-
dohá muitos anos (nãocon-
fundircomcompras no free
shop,outroassuntovelho).

opinião


Sábado,19dEoutubrodE 2019 A

STF


Oartigo“Afila anda”, deJ. R.
Guzzo( 18 / 10 )équase irreto-
cável. Faltouoarticulistase
voltar àscausas maiores das
deficiências doSTF: livre indi-
caçãodeministros pelo Exe-
cutivo evitaliciedade.Aesco-
lha deveria serfeitapor um
colegiadocompostopor Jus-
tiçaFederal,MinistérioPú-
blicoFederaleAdvocacia-Ge-
raldaUnião,exercidoocar-
gopor mandato nãorenová-
vel. Assim, bemrepublicana,
afila andará.
LafayettePondé Filho
(Salvador, ba)



  • Ao cidadãocomum,ocom-
    portamentoerráticodoSTF
    causa descrençaeinconfor-
    mismo.Chamadosadecidir
    questões fundamentais, mi-
    nistrosrevelam mais irritação
    comjuízeseprocuradores que
    atuamcontraacorrupção do
    quecomocrime. Acrescente-
    se ainapetência em punircri-
    mes de personagenscomforo
    privilegiado.Agora,maisuma
    vez, oSTF decidiráquem será
    protegidopelaConstituição.
    JoséTadeuGobbi(São Paulo, SP)


Bolsonaro
Nossotempoestápedindo
um escritorcomavervede
um ÉricoVeríssimoquando
escreveuomaravilhoso “Inci-
denteemAntares”.Oclã Bol-
sonaroeseus asseclasexecu-
tamorealismofantásticoao
vivoeemcores.Pobredopo-
vobrasileiro, queéobrigado
adesempenhar os papéisco-
adjuvantes nessacomédia de
erros que,como Plauto( 205 -
184 a.C.) na Antiguidadero-
mana, escancaraacupidez,
amediocridadeeaimbeci-
lidade de determinados ho-
mens públicos.
MarizeCarvalho Vilela
(SãoPaulo,SP)

*
QualéoobjetivoFolha?Aser-
viçodequem estáaFolha?
Diariamente,todooconteú-
do dojornalénosentido de
atacarogovernodeJairBol-
sonaro, oministroSergio Mo-
ro eaoperação Lava Jato,dan-
do espaçoparapolíticosejor-
nalistas petistas.Vamos pen-
sar no Brasil,esem ideologi-
as políticas.
LuizTosatto
(SãoJosé dos Campos,SP)

Governoeoposição
Bolsonaroestádando uma au-
la de produtividade ao nosso
país. Ao acumular as funções
degovernoedeoposição,ele
mostracomoépossívelfazer
as duascoisas usandoapenas
um partido.Éumgênio.
Alex Strum(SãoPaulo,SP)

Bolívia
Evonão precisa superarare-
sistência indígena, pois seto-
resminoritários dospovos in-
dígenas sempre discordaram
dele,comoénademocracia
(“Pelo quartomandato,indí-
gena Evoprecisavencerresis-
tência indígena”, 17 / 10 ). Por
outrolado, todas as pesquisas
dãoaele oprimeirolugar,eas
últimas lhe dão 40 %dos votos
evantagem de mais de 20 %so-
breosegundocolocado.Aes-
trada de 300 km mencionada
nãofoiconstruída, portanto
não houveabandono defa-
mílias indígenas.Ogoverno
Evotrata odesenvolvimento
eaconservaçãodomeio am-
bientecomequilíbrio,fatore-
conhecido por organizações
internacionais.
JoséKinnFranco,embaixador
da bolívia (brasília,dF)

Óleo no mar
Umgoverno que duvida do
aquecimentoglobalenão de-
fendeaflorestaamazônica
—equer entregá-laparaque
apecuáriaeamineraçãoaca-
bemcomtudo,matas, ani-
mais, rioseindígenas— ago-
rarecebeuma amostrado
que significanãocuidar do
meio ambiente(“Vazamento
de óleonoNordesteéomaior
do país emextensão, dizPro-
curadoria”, 18 / 10 ).
SandroOliveiradeCarvalho
(Curitiba, Pr)

*
Oóleoemalto-mar,vindo,vin-
do,vindo...eopresidentenão
feznada.Todos sabiamque
chegaria às lindas praias,eo
governo deixou sujartudo.
MárciaCristinaPolon
(São Paulo,SP)

*
Foramosesquerdistas que
alugaramuma jangada, en-
cheram baldescomóleove-
lho de fusquinhasdos sindi-
calistas deSãoBernardo,fo-
ramaté FernandodeNoronha
edespejaramtudo no mar.
EdsonSaito(São Paulo,SP)

Educação
Ensino fundamentalemédio
continuarádepreciadoeten-
do uso eleitoral. Oministro
AbrahamWeintraub,que es-
tudou em escola de elite, sa-
be quetodaeducaçãoéideo-
lógica, pois visaaumfimso-
cial.Sabe quenos países on-
deaeducaçãoestánotopo, a
educação públicatemestru-
tura eautonomia, pois estas
sãoabasedas economiasede-
mocracias desenvolvidas.De-
coraremarcarxis, como ele
quer,serve àideologia dosque
lucramcomoatrasosociale
aignorância políticadopovo.
JoãoBoscoEgasCarlucho
(Garibaldi,rS)

*
ParabenizoClaudiaCostin pe-
la coluna “Políticaspúblicas”
( 18 / 10 ). Éissooquegostamos
deverpublicado na impren-
sa paramudaroBrasil.Che-
ga de nhe-nhe-nhem.Épreci-
so que pessoascomo Costin,
queé“topdelinha”naedu-
cação, tomemafrenteemos-
trem para os nossoseducado-
resegovernantesqualéoca-
minho.Continue assim.
Antenor Baptista(Sã oPaulo, SP)

Direitos humanos
Arecondução doBrasil ao
Conselho dosDireitosHu-
manos da Organização das
Nações Unidaséumvotode
confiançadacomunidade in-
ternacionalemnossos novos
tempos. Mesmodepois de o
presidenteJairBolsonaroter
falado em deixaroconselho,
153 paísesvotaramparacon-
tinuarmos.Éaoportunidade
decorrigirorumo.
DirceuCardosoGonçalves,
dirigentedaassociaçãode
assistência Social dos Policiais
Militares de São Paulo
(SãoPaulo, SP)

folha.com/paineldoleitor [email protected]
Cartasparaal. barãodeLimeira, 425, São Paulo,CEP 01202-900.aFolha sereserva o
direitodepublicar trechos das mensagens. Informe seu nomecompletoeendereço

erramos
[email protected]

PODER(18.OUT.,PÁG.A16)Dife-
rentementedopublicado no
texto“FHC diz que se sentia
comogoleirodeLulacontra
desconfiança”,olançamento
do livro“Diários daPresidên-
cia 2001 - 2002 (Volume 4 )” ,do
ex-presidenteFernando Hen-
rique Cardoso,acontecenes-
ta segunda ( 21 ), não nodia 25.

Não Vulnerabilidadeedolarização



  • Paulo NogueiraBatistaJúnior
    Economista,lançourecentementeolivro‘obrasil não cabe no quintal de ninguém’(ed.LeYa)


folha.com/tendencias [email protected]
os arti gospublicadoscomassinaturanão traduzemaopinião do jornal. Sua publicação obedeceaopropósitodeestimular
tendências/debates odebatedos problemas brasileirosemundiaisederefletir as diversastendências do pensamentocontemporâneo


um passo ambicioso paraascondições da economia brasileira


Lívia SerriFrancoio

Sim Corretoemeritório



  • GustavoFranco


Ex-presidentedobancoCentral ( 1997 - 99 )eumdos formuladores do Planoreal, édoutor em economia pelauniversidade
Harvardefundador da rio bravoInvestimentos


OBrasil deveavançar na liberalização do mercado de câmbio?


Ideias mudaram após 25 anos dereservasedemoeda estável

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