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ilustrada
Sábado,19dEoutubrodE 2019 C3
- Naief Haddad
sãopaulo Àprimeiravista,
olivro recém-lançado “Herói
Mutilado”,dajornalistaLau-
ra Mattos, estácircunscritoa
três episódios do passado do
país,todos eles ligadosaDi-
asGomes, um dos maiores
nomes da dramaturgia brasi-
leiramortoháduasdécadas.
Oprimeiroéaproibição
pelacensuradapeça“OBer-
çodo Herói”,em 1965 ,um
ano depois dogolpe militar.
Uma década depois,osegun-
do momentoéovetoa“Ro-
queSanteiro”,novela de Dias
Gomesdesenvolvidaapartir
da tramacentral de “OBerço”.
Opaís viviaatransição dos
“anos de chumbo”paraaaber-
tura “lenta, gradualesegura”.
Oterceiroepisódiosedá
em 1985 .Enfim, entranoar
“RoqueSanteiro”,novelaso-
breumpovoadoque cultua o
mitodeumfalso herói. Eram
tempos da chamadaNovaRe-
pública,eaproduçãofoilibe-
rada, mas oscensoresconti-
nuavamaimpor limitesàTV.
SinhozinhoMalta,operso-
nagem de Lima Duarte, pode-
ria perguntar,chacoalhando
orelógioeaspulseiras de ou-
ro:“Estamosfalando do pas-
sado.Tôcertooutôerrado?”.
Certoeerrado,Sinhozinho.
Com base emcercade 2. 000
páginasdedocumentos, além
do diário pessoal de DiasGo-
mes,de entrevistasedepu-
blicações da época,aauto-
ra reconstitui essastrês pas-
sagensparamostraraatua-
çãodos órgãos decensuraao
longode três décadas. Mas
elatambémrecorreaopassa-
do parailuminaropresente.
RepórterecolunistadaFo-
lha,Mattoscomeçouapesqui-
saraobradobaiano Alfredo
deFreitas DiasGomes há oito
anos. Em um mestrado na USP,
entre 2014 e 2016 ,oprojeto
ganhou profundidade.
“Em 2011 ,eumesentia es-
tudandoahistória,opassa-
do.Agoravejo como osdias
dehoje começamaficarse-
melhantescomoque havia
naquela época.Olivrosetor-
nouatual, infelizmente”,diz.
Mattosserefereasituações
comoadaCaixa Econômica
Federal, órgãoligado aogo-
verno,parailustrar essa liga-
çãoentrepassadoepresente.
ReportagemrecentedaFo-
lhamostrouqueobancocri-
ou um sistema decensurapré-
viaaprojetosculturaisreali-
zadosemseus espaços.Fun-
cionáriosdisseram queaCai-
xa analisaoposicionamento
políticodos criadoresnasre-
des sociais antes de decidir
pela aprovação dosprojetos.
“Acensuraestáinstalada
no Brasil.Professores não
podem citar Karl Marx nas
aulas de filosofiacomme-
do derepresálias dos pais
dos alunos. Osresponsáveis
pelas aulasdesexualidade
estão apavorados”,afirma.
Ao longode“Herói Mu-
tilado”, Mattosmostraque
acensuranão se impõesó
em períodos ditatoriais e
que elaésuprapartidária,
ou seja, cultivadatantopela
direitaquantopela esquerda.
Essesaspectos ficam mais
nítidos noterceirobloco,
quandoolivroabordaaexi-
bição de “RoqueSanteiro”,
um dos maiores sucessos da
história daTVbrasileira.
Membrosdogoverno de
JoséSarneyemesmo os ar-
tistascelebravamateleno-
vela como um marcodo fim
dacensura.Nãoerabem
assim.Censoresproibiram,
porexemplo,mençõesàte-
ologia da libertação,movi-
mentocatólicomuitoinflu-
enciado pelo marxismo.
Aestrutura voltada paraa
censurasemanteveem fun-
cionamentoaolongodos
primeiros anos daNovaRe-
pública. Sófoidesmontada
comaConstituição de 1988.
“Anovela, quesetornou
um símbolo da aberturade-
mocrática,explodiu de au-
diência. Houveum cuidado
paranão rompercom essemi-
to da liberdade. Por que estra-
garafesta?”, questiona.
Mitoscaem ou balançam
ao longode“Herói Mutila-
do”.Adramaturga JaneteCla-
ir ( 1925 - 1983 )costuma ser
vistacomo alienada, distan-
te do engajamentodaobra
do marido,DiasGomes. Ela
foi, contudo,acompanha-
da muitodepertopelo SNI,
Censuranão se impõe só na ditadura,
diz autoradelivro sobre vetos na TV
‘Herói Mutilado’ narrajornada de ‘roque Santeiro’ na Globoeagrurascomocontrole dos militares
oServiçoNacional de Infor-
mações. Num dosdossiês
doórgão,Clairédescrita
como “comunistanotória”.
Tampoucoparaempéate-
se de queaTVGlobo erauma
fortealiada da ditadurami-
litar.Essaéuma“visãosim-
plista”, de acordocomMattos.
Nenhumramo da indústria
cultural sefortaleceutanto
duranteoregimedos generais
comoaTV. Nesse sentido,a
Globosebeneficioubastante.
Por outrolado,olivroreve-
la diversos momentosdedes-
gastenarelaçãoentreadita-
duraeacúpula da emissora.
Quandofoioficializadaa
decisão dogoverno devetar
“RoqueSanteiro” em 1975 ,
36 capítulos da novelajáti-
nham sidogravadoseedita-
dos. Irritado,odonoda Glo-
bo,RobertoMarinho,escre-
veuumeditorialcontraa
censura, quefoilido por Cid
MoreiranoJornalNacional.
Olivrodemonstra, aliás,
como as novelas setorna-
rama“principal pontede
umaconfluênciaparadoxal
de interesses dos militares e
doPartidoComunista”.
Essas produções absorve-
ramasintenções da esquer-
da e, simultaneamente,re-
forçavamaintegração naci-
onal buscada pelos militares.
Como escreveMattos, for-
mou-se “um triângulo amo-
roso de altavoltagem,com
alianças fluidas, em umare-
lação frequentemente tensa”.
Com lançamentonodia 22 ,
emSãoPaulo,ovolume in-
tegraacoleçãoArquivos da
Repressão,coordenada pela
historiadora Heloisa Starling.
Herói Mutilado-Roque
SanteiroeosBastidores da
CensuraàTVnaDitadura
autora:LauraMattos.Ed.
Companhia dasLetras.r$ 94,90
(456 págs.).Lançamento:ter.
(22), às19h,naLivraria da Vila
Regina Duarte eLima Duarte em‘RoqueSanteiro’ Divulgação (al. Lorena, 1.731, SãoPaulo)
Obramostrapercalços de um coxinha
sensívelnos protestos de junho de 2013
livros
OsDias da Crise
autor: Jerônimoteixeira.
Ed.Companhia dasLetras.
r$ 44,90(128 págs.)
- Alcir Pécora
“Os Dias da Crise”, romancedo
escritorejornalistagaúchoJe-
rônimoTeixeira,émais uma
ficçãobrasileira—como “Mai-
or queoMundo” deReinaldo
de Moraes, porexemplo—a
ambientarasua ação nas jor-
nadas de junho de 2013 .Mas
se onarrador-personagemlo-
ser deMoraes desdenha par-
ticipar do movimentoemfa-
vordabreja comsteinhäger
noFarta-Brutos,oempresá-
rio deTeixeiraarrisca-se en-
treosque protestam nas ruas.
Claro, não erasópelos 20
centavos, mas portesão de
Helena, professoradeliteratu-
ra brasileiradaUSP,estudiosa
degêneroedeletrasdeMPB,
comquem iniciara um namo-
ro repletodeanimadasbata-
lhas sexuaisdesubjugação.
EcomoHelena, já sevê,não
émuitomais do queumacari-
catura de professora edeinte-
lectual,enão consta ser Dako-
ta Johnson, nãoera só porela
também.Algoiamuito mal na
sua firma que já demitirameta-
de dos funcionárioseacabara
decontratar, para olugar que
seria seu, um jovemexecutivo
especialistaemproduzir mági-
cascapazes deretirar firmas do
vermelhoecatapultá-laspara
um novo ciclodeprosperidade.
Ecomo jásabemos, desde
aprimeiralinha, de quetudo
não passava de uma nova fór-
mula de picaretagemdomer-
cado,deque os chineses eram
cúmplices, ainda umavez, não
erasópor isso.Orelaciona-
mentodoempresáriocoma
sua filha universitáriaidealis-
ta estava em crise,eele, coin-
cidentemente, haveriade en-
contrá-lana manifestação,vê-
la serferida por uma balade
borrachaeconduzi-lavalen-
tementenos braçosatéoSí-
rio-Libanês, mesmoàcusta de
uma crise de hérniadedisco.
Esenãoforpor nada disso,
Teixeiratem um trunfo, diga-
mos, eruditoparaoseu roman-
ce,ainda queoseu narrador já
comece lacrando:“Nãogosto
de ler. Ninguémgosta”.Não o
entendamos mal: emborací-
nicoemesmo quefaçaalarde
disso,não éum“filisteu típico
quevegeta nos ambientescor-
porativos”,pois já frequentara
“os clássicos queinteressam”.
Otrunfoéainvenção de um
autor,JohnTeufelsdröckh,
que estudantes de letras lo-
goreconhecemser êmulo de
outroautor fictício,Dióge-
nesTeufelsdröckh, persona-
gemdoromance“SartorRe-
sartus”,doescocês Thomas
Carlyle.Não precisariamtê-
lo lido paraisso,jáqueémui-
to referidopelo inventor-mor
de autores,Jorge LuisBorges.
PoisoTeufelsdröckh deTei-
xeiraéumguru empresari-
al que aconselhaexecutivos
acriar um “círculo da blasfê-
mia”,onde demolissemsuas
próprias crençascomoexer-
cício de argúcianegocial.Pa-
receumconselhocoerente
comquemse chama “Merda
do Diabo”. Se oautor inventa-
do se chamasse Zé “Espíritode
Porco”talvez desse na mesma,
mas,claro, perderia um pouco
do charmeliterário europeu.
Comotoque deBorges, e
uma citação espertadeThors-
tein Veblen,que asexyprofes-
soradeletras ignorava comple-
tamenteemereceu osilencio-
so rompimento,oempresário
termina por ironizaroesno-
bismocafona das classes abas-
tadas deSãoPaulo,enquanto
lutapelo difícil amor da filha.
Nãoserájustoreconhecer
que, nesteponto,umcoxinha
sensívelatingeaperfeição?
PUC homenageia
Jerusa PiresFerreira
emfestaliterária
sãopauloAPontifícia Univer-
sidade CatólicadeSão Paulo
promove, entre 4 e 6 de no-
vembro,nocampusMonte
Alegre (r.MonteAlegre, 984 ,
Perdizes),aterceiraedição da
festaliterária FliPUC.
Mesas de debate gratuitas
evenda de livrosapreçoses-
peciaissejuntamauma ho-
menagemàensaísta, profes-
soradeliteraturaecolabo-
radoradaFolhaJerusaPi-
resFerreira,morta em abril.
Começaavendade
ingressos de mostra
imersivade DaVinci
sãopauloOs ingressos para
aexposição imersiva“Leo-
nardo da Vinci- 500 Anos de
umGênio” estãoàvendape-
lo sitesympla.com.br,ecus-
tamapartir de R$ 30 .Amos-
tratrazobras em altadefini-
ção, alémdeconteúdo multi-
mídiaenarrativaemáudio.
Aexposiçãoabreanova
unidade do MuseudaIma-
gemedoSomdacapital
paulista,oMIS Experience,
na rua Vladimir Herzog, 75.
Justiça autorizaque
‘HomemVitruviano’
viajeparaaFrança
afpAJustiçaitaliana autori-
zounestaquarta( 16 )oem-
préstimo devárias obras de
Da Vinci ao Louvre,incluin-
doo“Homem Vitruviano”,
que uma associação de defe-
sa do patrimônio não queria
que deixasseaItália.Otribu-
nal administrativo doVêneto
não acolheurecurso da Italia
Nostra,abrindocaminho pa-
ra que as obras viajem para
agrandeexposição france-
sa que será aberta nodia 24.