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ilustrada
C8 Sábado,19dEoutubrodE2 019
Um poemacurtodeWilliam
SydneyGrahamcomeça com
quatrolinhas em branco, pa-
ra queoleitor as preencha. Aí
ele escreve oseguinte:
“Voltarei num instante
Paraver oquevocêfez.
Tente.Tente.
Sem querer ofender.”
W.S. Graham erapobre, ar-
redioealcoólatra. Morou de
favornum trailer,pedia sapa-
tosemprestados,comia ma-
riscoseovosdegaivotaque
catavanapraia. Tinha mui-
ta saudade daEscócianatal,
mas nuncavoltou lá. Morreu
em 1986 .Deixoumulherefi-
lha.Estava com 67 anos.
Ele não tinha lugarno
mundo.Nemasua poe-
sia, ignorada porleitores e
críticos. Isso apesar deter
sidodefendido por dois pe-
sos-pesados,comNobeletu-
do:T.S. Eliot,queopublicou
na editoraFaber,eHarold
Pinter,que lhe deudinheiro
parasemanter vivo.
Seu poema maisconhecido,
olongo“APescaNoturna”, de
1955 ,diz:
“Bemsuavebateo
Sino docais ànoite,
Abrindoumaporta
Paraqueosmortos
Trazidosàharmonia
Falem altoemsilêncio.”
Eosilênciofalou bem al-
to:ficou 15 anos sem publi-
car. CorreuoboatonaFaber,
pois poucosoconheciamfora
dali, que morrera.Voltouen-
fimalançar livroseganhou
um prêmio literário.Como
dinheiro, pôdefazerumare-
formaetrouxeaprivada pa-
radentrodoseu chatô.
Um dospoemas que
publicouédedicadoaseu
pai, Alexander Graham, tra-
duzido acima, na ilustração
de BrunaBarros.
Então.Sem querer ofender,
tenteescrever quatrolinhas
que parem de pé. Quetenhamo
seu jeito.Que nãoecoemotan-
tasvezes ditoantes por outros.
Linhas límpidas quefalemàfu-
ligem do mundo. Tente.Tente.
Grahamvoltarádaquiapouco
paraver oquevocêfez.
Éassimasuacurtaobra
—linhas em brancoembus-
cade sentido.Éaquiloque o
pai lhe disse, masosonho não
tinha somenão deu paraes-
cutar.Éasuavevibração que
ficanoardepois deosinoto-
carànoitenocais. “É quase
embaraçoso estar vivoesó.”
Seus poemas àsvezes alter-
namonarrador.Em“Linhas
sobreoRelógio deRogerHil-
ton”,ele falasobreopresen-
te quelhefoilegado por um
amigoaomorrer.Derepente,
éorelógiodepulsoque passa
aescrever,edescreveopoeta:
“Ele acendealuz
Parapegarumcigarro
Serve-se umTeachers
Me pegaeseguraperto
Dorostosolitário para
Vermeus ponteiros.Acha
Que nãoestá sendoolhado.”
Aúltima palavra, “olhado”,
no originalé“watched”,que
comporta“watch”,relógio.O
poetaé“relojoado”.
Numacarta,considerou
“encorajador”seuúnicoal-
moçocom Eliot.Oescritor
monumental disse ao minia-
turistaque ele tinha um “rit-
mo maravilhoso”. Por ser “in-
telectual”,porém, sua poesia
estavafadadaa“irdevagar”
porque as pessoastêm“pre-
guiçade pensar”.
Graham não eraumintelec-
tual, ao menos no sentido de
se apoiarnaerudição.Mas a
partirdaquele almoçoseus
versos ficaram mais palpá-
veis. Nem por isso ganharam
lei torescomrapidez.
Só há alguns meses a
marcha lentafoi acelera-
da,comaedição de duas
coletâneas suas, uma na In-
glaterraeoutranosEstados
Unidos.Atéoscríticos, essas
lontras preguiçosas, passa-
ramaestudá-lo.
Elesvêmmartelando que
aconcretude de seusversos
miraosoutros láfora,dos
quaisopoetaseesquiva.A
linguagemétidacomo um
entraveporque elaémove-
diçacomo as pessoas,como
Graham,comoavida. Sua
obranãotemosfloreios de um
escritor ensimesmado.
“Preâmbulo”,porexemplo,
diz: “Nãoimportaquemévo-
cê/Não importaquem sou eu”,
porqueoseu livro“sem pro-
pósitooumotivo” sefez“por
si mesmoepelas circunstân-
cias”.Ele não se destinaanin-
guém “e agoraédeixadoco-
mo um objeto/paraser en-
contrado por mais alguém”.
Apoesia de Graham —iné-
ditanoBrasil—secontra-
põeàinarmonia do mundo e
passaadianteumpoucodo
querestou:
“Entãofaleiemorri.
Entãodentrodamorte
Da noiteedamortede
Minhavidaestas palavras
Morrerameacordaram.”
- Mario Sergio Conti
Jornalista,éautor de ‘Notícias do Planalto’
W. S. Graham,umgrande poetadopequenoedopouco
Oembaraçodeestar vivoesó
BrunaBarros
|DOM.FernandaTorres,DrauzioVarella|SEG.LuizFelipe Pondé |TER.João PereiraCoutinho |QUA.Marcelo Coelho |QUi.Contardo Calligaris |SEX.DjamilaRibeiro |SÁB.Mario Sergio Conti
‘A be’ quer usar oestômago parauniromundo
Longacomestreia no theatroMunicipalmostramenino quecozinhaparaunir oslados judeuepalestino dafamília
- ClaraBalbi
SãoPAUloCebola,alho,tem-
peros, grão de bico. Ou será
queémelhorusarfavas?Are-
ceitadefalafelresumeacon-
fusão do personagem-título
de“A be”,umnova-iorquino
de 12 anosque adoracozinhar.
Éque ele pode serfeito
tantonatradição israelen-
se quantonapalestina, ori-
gem,respectivamente, de
suasfamílias maternaepa-
terna,que vivem àsturras.
Aiguariatambémintriga
odiretor do longa,Fernan-
do GrosteinAndrade.Devol-
ta aSãoPaulo para aprimei-
ra exibição do filme,noThe-
atro Municipal nestesábado
( 19 ), na Mostra,ocineastara-
dicado emNovaYorkconta
que pesquisouafundo as an-
danças dofalafel pelo mundo.
Numa dessas, descobriu que
oacarajé éumprimo distante
do petisco,eelevou-oaumin-
grediente importantenatrama.
Afinal,éembuscadele que
Abe,vivido porNoah Schnapp,
oWillde“Stranger Things”, aca-
ba encontrando seu mentor,o
chef ChicoCatuaba (SeuJorge).
Dono de uma barraquinha
descolada no Brooklyn, o
cozinheiroéespecializado
em fusõesgastronômicas.
Ao ensinarAbe aexperimen-
tarcom os sabores,eleomo-
tivaadeixarde ladoaFaixa
de Gaza queésuacasa para
desvendaraprópria persona-
lidade.Na cozinhaenavida.
“A comidatemuma pegada
muito fortenaidentidade”, diz
GrosteinAndrade, que apren-
deuacozinharcomopadrasto.
Nãoéoúnicoelementoau-
tobiográficodo longa. Como
Abe,odiretortambéméjudeu
por parte da mãe. “Comecei a
focarahistória dos meusavós,
refugiadosdeguerra,eoquão
felizes eles ficavam emreunir
afamília nasfestas. Fiquei pen-
sando:esenãofosse assim?”
Foientão quedecidiu abor-
daroproblema palestino
na narrativa,comaajuda de
doisroteiristas de lá.
Nofinal,aobra,rodada em
inglêsecomequipe metade
brasileira, metade americana,
virou umcaldo multicultural,
comatoresnascidos no Brasil,
nos Estados Unidos, na Polô-
niaenoIrã eumdiretor defo-
tografia italiano,BlascoGiu-
rato (de“CinemaParadiso”).
Apesar da pluralidade, ocon-
flitoentreIsraelePalestina fica
em segundoplano.“Abe”éso-
bretudo sobreatransiçãopa-
ra aadolescência, que nãofi-
ca maisfácil quando se cresce
entregrupos que se odeiam.
Umcenário que,afirma o
diretor,nãoémuitodiferente
do Brasil ou do planetahoje.
“Não acho queacomida so-
lucioneoproblema do mundo.
Mas numa situação de disputa,
um bomprato têmmaischan-
ce de levaraumacordodoque
discutirnoWhatsapp”,analisa.
Grostein Andradeteveum
gostinho daexperiênciadese
sentaràmesacomoutras cultu-
rasaodesdobrar“A be” no docu-
mentário“Sabores de Abraão”.
Eleeadesignerdeprodução
da ficção, Claudia Calabi, viaja-
ramparacerca de dez cidades
em IsraelenaPalestinanopro-
cesso de pesquisa paraaobra.
Lá, entrevistaramfamíli-
as quecozinham háséculos
as mesmas receitas.Aideia é
usar depoimentoseimagens
paradiscutir, deforma lírica,
as questões do OrienteMédio.
Abe
brasil/Eua, 2019.direção:Fernando
Grostein andrade. Com: Noah
Schnapp,Seu Jorge.
MostradeSP:sáb.(19),às16h,no
theatro Municipal (pça.ramosde
azevedo,s/n), grátis; dom.(20), às
20h,noCinesesc (r.augusta,2.075),
r$ 20;dom.(27),às18h30, no Cinearte
NoahSchnapp,de‘StrangerThings’,emcenade‘Abe’ Divulgação 1(av.Paulista,2.073) n),r$20
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