Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

pêlos das articulações.


O leitor de vídeo resmungou e Beate apagou a luz. Nos momentos que se
seguiram, enquanto a imagem azul de abertura os iluminava, outro filme
revelou-se na cabeça de Harry. Era curto, durava apenas alguns segundos,
uma cena banhada por uma luz azul no Waterfront, um clube há muito
defunto em Aker Brygge. Ele não sabia como ela se chamava, a mulher
sorridente e de olhos castanhos que estava a tentar gritar qualquer coisa acima
do som da música. Estavam a passar cow-punk^2 . Green on Red. Jason and the
Scorchers. Deitou Jim Beam na sua Coca-Cola e deixou de se importar com o
nome dela. No entanto, na noite seguinte já o sabia. Quando estavam na cama
ornamentada com a figura de proa de um navio, um cavalo sem cabeça, que
se soltara de todas as suas amarras e partira na sua viagem inaugural. Harry
sentiu na barriga o mesmo calor que sentira na noite anterior quando ouvira a
voz dela ao telefone.


Depois o outro filme substituiu aquele.
O velho iniciara o seu percurso através do banco em direcção ao balcão,
filmado por uma câmara diferente de cinco em cinco segundos.


– Thorkildsen na TV2 – disse Beate Lønn.
– Não, é August Schulz – disse Harry.
– Estou a falar da edição – respondeu ela. – Parece o tipo de trabalho de
Thorkildsen na TV2. Faltam alguns décimos aqui e ali...


– Faltam? Como é que consegues ver...?
– Por uma série de coisas. Siga aquilo que se passa em fundo. O Mazda
vermelho que se consegue ver na rua está no centro da imagem das duas
câmaras, quando a imagem se altera. Um objecto não se pode encontrar em
dois lugares ao mesmo tempo.


– Estás a dizer que alguém manipulou a gravação?
– De modo algum. Tudo o que se encontrava nas seis câmaras interiores e
na exterior encontra-se gravado na mesma cassete. Na cassete original, a
imagem salta rapidamente de uma câmara para a outra e tudo o que se vê é
um tremeluzir. Assim, o filme teve de ser editado para se conseguirem
sequências mais longas e coerentes. Por vezes, chamamos pessoal das
estações de televisão quando não temos capacidade para o fazer. Os editores
televisivos como Thorkildsen brincam com o código temporal para
melhorarem a qualidade da gravação, para não ficar tão cortada. Presumo que
seja uma neurose profissional.

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