Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

desconfiar que ele vivia noutro lugar. Encontrara uma escova de dentes na
casa de banho, um tubo de pasta quase vazio e um pedaço de sabonete
inidentificável colado a uma saboneteira. Para além disso, uma toalha que
outrora poderia ter sido branca. Só isso. Aquela era a sua única hipótese.


Sentiu vontade de rir. De bater com a cabeça contra a parede. De partir o
gargalo de uma garrafa de Jim Beam e beber o whisky com os estilhaços de
vidro. Porque tinha de ser – tinha mesmo de ser – Gunnerud. De todas as
provas estatisticamente incriminatórias, uma delas erguia-se muito acima das
outras – acusações e sentenças anteriores. O caso parecia gritar o nome de
Gunnerud. Tinha drogas e armas no seu cadastro, fabricava fechaduras, podia
encomendar quaisquer chaves-sistema que lhe apetecesse, por exemplo, para
o apartamento de Anna. Ou para o de Harry.


Dirigiu-se à janela. A perguntar-se como poderia ter andado em círculos a
seguir até à última palavra o guião de um homem louco. Mas agora já não
havia mais instruções, nem mais linhas de diálogo. A Lua espreitou por entre
um intervalo nas nuvens e assemelhava-se a um comprimido de flúor meio
ingerido, mas nem isso conseguiu estimular a sua memória.


Fechou os olhos. Concentrou-se. O que é que vira no apartamento que lhe
poderia dar a próxima pista? O que é que falhara? Revistou mentalmente o
apartamento, peça a peça.


Passados três minutos desistiu. Estava acabado. Não havia ali nada.
Verificou se estava tudo como estivera quando ali chegara e acendera a luz
da sala de estar. Dirigiu-se à casa de banho, parou em frente da sanita e abriu
a braguilha. Esperou. Céus, agora já nem conseguia fazer aquilo. Depois
acabou por se aliviar e soltou um suspiro cansado. Pressionou o manípulo do
autoclismo, a água começou a correr e, naquele momento, imobilizou-se. Não
ouvira um carro buzinar acima do som da água? Dirigiu-se ao vestíbulo e
fechou a porta da casa de banho para ouvir melhor. Era mesmo. Uma
buzinadela curta e firme vinda da rua. Gunnerud estava a caminho! Harry já
se encontrava na soleira da porta quando se lembrou de uma coisa. Claro que
tinha de se lembrar naquele momento, quando era demasiado tarde. A água do
autoclismo. O Padrinho . A arma. É o meu lugar favorito.


– Merda, merda, merda!
Voltou a correr até à casa de banho, agarrou no puxador no cimo do
depósito do autoclismo e começou a soltá-lo freneticamente. O parafuso
vermelho e enferrujado começou a aparecer.


–   Mais    depressa    –   sussurrou.
Free download pdf