Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

negro, e olhos castanhos amendoados. Astrid costumava desenhar Ramona,
em especial os olhos, mas tinha de o fazer secretamente porque a mãe rasgava
os desenhos em pedaços e dizia que não queria ver levianas como ela em
casa. Ramona desaparecera há muitos anos mas agora regressara, e Astrid
reparara que Ramona começara a dominá-la, em especial quando escrevia aos
autores masculinos que traduzia. Depois dos preâmbulos a respeito da
linguagem e das referências culturais, gostava de escrever e-mails mais
informais, e depois de alguns desses, os escritores franceses suplicavam-lhe
que ela se encontrasse com eles. Quando estivessem em Oslo para fazerem o
lançamento do livro. Ela era motivo suficiente para fazerem a viagem. Ela
recusava sempre, apesar de isso não parecer deter os pretendentes, antes pelo
contrário. Era isso que constituía agora as suas actividades escritas, depois de
ter despertado há vários anos do sonho de publicar o seu próprio livro. Um
consultor editorial acabara por rebentar ao telefone e silvar que já não
conseguia aguentar as suas «agitações histéricas»: nenhum leitor pagaria para
partilhar os seus pensamentos mas, por um certo valor, era possível que um
psicólogo o fizesse.


– Astrid Monsen?
Sentiu a garganta apertar-se-lhe e por instantes entrou em pânico. Não
queria ter problemas respiratórios ali no meio da rua. Estava prestes a
atravessar quando as luzes mudaram para vermelho. Tinha tempo para
atravessar, mas nunca atravessava com o vermelho.


– Olá, ia mesmo agora fazer-lhe uma visita. – Harry Hole parou junto dela.
Ainda tinha a mesma expressão assombrada, os mesmos olhos vermelhos. –
Deixe-me primeiro dizer-lhe que li o relatório do inspector Waaler a respeito
da conversa que ele teve consigo. Compreendo que me mentiu porque estava
assustada.


Astrid sentiu que dentro em breve iria começar a hiperventilar.
– Foi extremamente disparatado da minha parte contar-lhe de imediato qual
o meu papel em todo o assunto – disse o agente da polícia.


Olhou para ele surpreendida. Ele soava genuinamente arrependido.
– Li no jornal que o culpado foi preso – disse Astrid.
Ficaram parados a olhar um para o outro.
– Quero dizer, que morreu – acrescentou ela, num tom mais baixo.
– Bem – disse Harry, com um sorriso hesitante –, de qualquer maneira,
talvez não se importe de me responder a algumas perguntas?

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