– Ela era a minha parceira, seu filho da mãe! Era a minha melhor... – A
máscara colou-se à boca de Harry e fez com que fosse difícil respirar. Mas,
apesar disso, a voz da pessoa sem rosto continuou a falar:
– Fui eu que a mandei para os anjinhos.
– ... amiga. – Harry premiu o gatilho. Não aconteceu nada. Abriu os olhos.
A primeira coisa que Harry pensou foi que adormecera. Estava sentado na
mesma poltrona verde a olhar para o ecrã sem vida. No entanto, o casaco não
estava ali anteriormente. Fora colocado por cima dele, cobria-lhe metade do
rosto; sentia o tecido molhado na boca. E a luz do dia enchia a sala. Depois
sentiu o martelo. Atingiu um nervo atrás dos seus olhos, uma e outra vez, com
uma precisão impiedosa. O resultado foi uma dor dramática e familiar. Tentou
rebobinar a cassete. Teria acabado no Schrøder’s? Começara a beber em casa
de Anna? Mas era aquilo que ele temera: um vazio. Lembrava-se de estar
sentado na sala de estar depois de falar ao telefone com Anna, mas a isso
seguia-se um enorme vazio. Naquele momento, o conteúdo do seu estômago
ergueu-se. Harry inclinou-se sobre a borda da poltrona e ouviu o vómito a
espalhar-se pelo parquet . Resmungou, fechou os olhos e tentou afastar o som
do telefone que não parava de tocar. Quando o gravador de mensagens
interrompeu o toque, adormeceu.
Era como se alguém lhe tivesse cortado o tempo aos pedaços e deitado fora
os restos. Voltou a acordar, mas demorou-se a abrir os olhos para descobrir se
houvera alguma melhoria. Nenhuma que conseguisse detectar. A única
diferença era que as marteladas se espalhavam por uma zona maior, fedia a
vómito e sabia que não seria capaz de voltar a adormecer. Contou até três,
levantou-se, cambaleou os oitos passos que o conduziram até à casa de banho,
enfiou a cabeça entre os joelhos e esvaziou o estômago. Apoiou-se no
lavatório para se levantar, enquanto se esforçava para recuperar o fôlego. Para
sua surpresa, viu que a substância amarela que escorria pela porcelana branca
continha partículas verdes e vermelhas. Agarrou um dos pedaços vermelhos
entre o polegar e o indicador, levou-o até à torneira onde o lavou e ergueu à
luz. Depois voltou a pousá-lo cautelosamente entre os dentes e mastigou. Fez
um esgar quando sentiu o suco ardente do pimento japone . Lavou o rosto e
endireitou-se. E viu o enorme olho negro ao espelho. A luz na sala de estar
picou-lhe os olhos enquanto ouvia a mensagem que alguém lhe deixara no
gravador.
«É Beate Lønn. Espero não estar a incomodar, mas Ivarsson disse que eu
devia ligar de imediato. Houve outro assalto a um banco. O Den norske Bank,
em Kirkeveien, entre o parque Frogner e o cruzamento Majorstuen.»