6 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019
ESPAÇO PÚBLICO
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CARTAS AO DIRECTOR
Tanta inteligência
Se não me falhou a
“contabilidade”, foram oito as
vezes que António Costa Silva,
Professor do Instituto Superior
Técnico, utilizou a palavra
inteligente/inteligência, no seu
artigo “Portugal e a ponta do
icebergue” no PÚBLICO de 5 de
Outubro, sempre adjectivando
realidades bem tangíveis (capital,
investimento, políticas públicas,
redes energéticas, governação). E
tudo isto precisamente na mesma
edição em que a frase de Tolentino
Mendonça “ser humano é um
grande risco” é puxada ao título de
um texto de António Marujo.
Nunca o professor do Técnico a
aplicou em contexto de
humanismo, que é de onde provém
toda e qualquer forma de
inteligência, incluindo a “artiÆcial”
que alguns tentam desenvolver.
É esta desumanização que há-de
servir para transformar o Homem
em instrumento meramente
produtor de riqueza, em
perseguição de um crescimento
económico sem Æm? Mas produtor
de quê, para quê e para quem?
Oxalá esta Igreja que o Papa
Francisco tenta reconstruir permita
que a verdadeira “inteligência”
ilumine a actividade humana. Este é
o meu desejo, e estou certo de que é
o de muitos outros, sem
precisarmos de ser crentes. Basta
sentirmo-nos parte integrante da
verdadeira Humanidade.
José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia
S.O.S. crianças
em perigo
O que estamos a assistir, cada vez
mais, nos processos de promoção e
protecção de menores é revoltante
e angustiante, porque os menores
sinalizados, caso não estejam em
perigo (e é a maioria), passam a
estar em perigo face ao poder
triturador, insensível, gélido e
implacável da máquina burocrática
do Estado apostado em transformar
a vida das crianças e das suas
famílias num verdadeiro inferno.
Hoje os processos de promoção e
protecção multiplicam-se e
arrastam-se indeÆnidamente, a
esmagadora maioria dos quais sem
justiÆcação plausível. Sendo certo
que a maioria das queixas, tal como
acontece com a violência doméstica
e à boa maneira portuguesa, resulta
de questiúnculas mesquinhas e
pessoais e o seu único objectivo é
infernizar a vida do outro com a sua
queixa.
E depois, face ao enorme volume
de trabalho em processos
absolutamente injustiÆcáveis para
os quais não têm capacidade de dar
resposta, os técnicos não têm
obviamente tempo para fazer o
devido acompanhamento dos casos
de crianças verdadeiramente em
perigo e que deviam ser
acompanhadas com maior atenção,
proximidade e assiduidade.
O mesmo se passa com a
violência doméstica, em que o
legislador criou um tipo de crime
onde cabe tudo, o que gera
inevitavelmente um número de
processos tão elevado, que torna
impossível a sua gestão e a sua
investigação com a atenção e a
celeridade que os casos mais graves
deviam merecer. Bastava o
legislador ter dois dedos de testa e
seguir o senso comum de que “o
bom é inimigo do óptimo” para que
os casos graves de violência
doméstica e das crianças em perigo
pudessem ter uma resposta
adequada por parte das
autoridades e dos técnicos,
diminuindo drasticamente as
tragédias que acontecem com cada
vez mais regularidade.
Santana-Maia Leonardo,
Ponte de Sor
Ocupa uma galeria à parte no actual
panorama da ginástica e ontem, no último dia
dos Mundiais que decorreram em Estugarda,
voltou a mostrar porquê. Simone Biles soma agora
25 medalhas em Campeonatos do Mundo, tendo-se
tornado a recordista absoluta e apresentando no
currículo a fabulosa marca de 19 títulos planetários.
A dificuldade das rotinas que promove e a qualidade
com que consegue completá-las não têm, nesta
altura, paralelo entre a concorrência. (Pág. 42) N.S.
Foi um fim-de-semana histórico para o
atletismo mundial. Depois da quebra da
mítica barreira das duas horas na maratona
masculina, ontem foi a vez de cair o recorde mundial
da maratona feminina. Em Chicago, Brigid Kosgei
retirou nada mais, nada menos do que 81 segundos à
anterior melhor marca da distância, que durava há 16
anos. Aos 25 anos, a queniana tem ainda uma longa
carreira pela frente na especialidade, mas já deixou a
Simone Biles Brigid Kosgei sua marca nos livros da modalidade. (Pág. 44) N.S.
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Para onde vão os votos na “geringonça”?
A
“geringonça” não foi só a
experiência política que
conseguiu a notável proeza de
colher elogios em latitudes tão
díspares como o Financial
Times — “Perspectivas brilhantes
para Portugal levam alguma
esperança à Europa” — ou o
pensador anarco-sindicalista e
socialista libertário Noam Chomsky
— “pelo que pude ir apreendendo,
parece-me um dos desenvolvimentos
mais esperançosos do período
actual”.
A “geringonça” foi também a
solução que esteve presente no voto
de muitos portugueses que deram
uma vitória folgada ao PS,
permitiram ao Bloco de Esquerda
manter o número de deputados,
mesmo com a dispersão de votos à
esquerda, e, se a CDU se ressentiu, é
admissível que as razões para a
diminuição da sua expressão
eleitoral possam ser encontradas em
problemas estruturais do PCP. E não
é irrazoável pensar que houve muitos
votos que escaparam ao PS porque
os eleitores apreciaram a solução
parlamentar e não quiseram
entregar-lhe uma maioria absoluta. É
bem provável que o PAN, por
exemplo, possa ter beneÆciado disso.
Com um Parlamento dividido entre
os 142 mandatos dos que
participaram ou apoiaram a
“geringonça” e os 84 dos que a
rejeitam, haverá hoje muitos
portugueses a perguntar-se como tão
clara vitória se conjuga com o Æm
anunciado da solução que
estimaram. É por demais óbvio que
os resultados eleitorais permitem ao
PS outra amplitude de acção. Mas ao
Æm de uma semana de negociações
(?) que levaram o Bloco a decretar o
óbito da solução e o Presidente da
República a projectar uma
estabilidade negociada à vista, não
sobra horizonte nenhum para quem
apreciou esta solução?
O PS, sentado à mesa da
Realpolitik , pode justiÆcar que o PCP
se pôs de fora e o Bloco quis demais.
Mas declarar simplesmente que a
“geringonça” não morreu porque se
vai continuar a trabalhar “nos
termos” em que se trabalhou nos
últimos anos é enganador e é curto.
Se não quer dar razão aos que
consideram que o entendimento dos
últimos anos não foi mais do que um
mero recurso táctico, a que deitou
mão por questões de sobrevivência,
António Costa tem a obrigação
perante os eleitores da “geringonça”
de mostrar mais do que vagas boas
intenções. Se não é indiferente
governar à direita ou à esquerda, o
PS devia mostrá-lo no programa de
Governo e anunciar desde já com
quem conta para o concretizar.
Similar clareza deveria vir dos
pretéritos parceiros, que, aÆnal,
lutaram contra uma maioria absoluta
porque acreditavam numa solução
negociada à esquerda. Há muitos
eleitores que esperam uma resposta.
David Pontes
Editorial