O enfermo retoma, porém, alguns movimentos dos braços e pernas.
Mas só consegue andar amparado.
Mantém conversas fluentes com aqueles que o visitam, partilha recordações
sobre as graças e desventuras do pai sentado na poltrona, após o jantar. Lê e
escreve corretamente, embora por vezes trémulo, continuando sem acesso aos
jornais. De vários cantos do mundo chegam desejos de melhoras, telegramas,
cartas, correspondência variada. A governanta agradece com cartões de Salazar,
que o ditador assina pelo seu punho. Também atende telefonemas de
jornalistas. «Como está o nosso doentinho?», perguntara certa vez, simulando
familiaridade, José Carlos de Vasconcelos, repórter do Diário de Lisboa. «Hoje
já fez chichi...», respondera Maria de Jesus, intercalando a «novidade» com
banalidades sobre o que lhe fizera para comer e as fadigas da sua rotina.
A 27 de abril celebram-se 41 anos da entrada do antigo professor de Finanças
para o Governo. Na sequência de uma sessão para assinalar a efeméride, em
que participam poucos ministros e figuras datadas, a imprensa recoloca Salazar
na agenda, mas o tom é memorialístico, meras impressões sobre a figura de um
tempo acabado.
O Presidente da República já o assinalara semanas antes, no seu estilo
atabalhoado, mas sem meias palavras, enquanto inaugurava uma exposição na
Gulbenkian: «Salazar foi uma pessoa praticamente ímpar na nossa terra e digo
foi, porque precisamente é, infelizmente, já um homem do passado.»
Por momentos, brasas de saudosismo reacendem das cinzas, agitadas por
salazaristas que tentam atestar, com insensatez e sem piedade, a vitalidade do
doente. Mas são fogachos com o seu quê de insensatez sebastianista, fogueiras
de vaidades. Quem governa deseja, isso sim, mostrar, de uma vez por todas,
que Salazar é um inválido, «uma ruína física». Segundo Franco Nogueira,
recorre-se «a propósitos políticos sem grandeza e até cruéis sem o querer».
O dia 28 de abril, data de aniversário de Salazar, será, a esse respeito, a
lápide que faltava. Por essa altura, no País, há romagens a Fátima. Em São
Bento, há bolo, a visita de Cerejeira, flores vindas de todo o lado. Estudantes
de Coimbra descem à capital para confortá-lo e cantar. Salazar manda servir
um vinho do Porto, com tantos anos como aqueles que celebra. «Quando é bom
torna-se muito melhor à medida que envelhece. Quando não é bom, piora com
a velhice», comenta, perante a audiência de capa e batina.