A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

primeiro-ministro. Desanimara e estaria talvez a ponto de desistir quando,
durante uma viagem a Braga, conhece um dos amigos íntimos de Salazar e de
Maria: Nogueira da Silva, o fundador da Casa da Sorte.
O encontro revelar-se-ia uma lotaria para ela. «Nós, os verdadeiros amigos
do Presidente, gostaríamos que se soubesse a verdade do seu estado de saúde»,
confessara-lhe o comendador minhoto. «Anda muita coisa encoberta que não
interessa divulgar... Você pode prestar-nos esse serviço», admitira, prometendo
ajudá-la.
A 10 de fevereiro, Maria de Lourdes recebe no hotel a indicação de que
Salazar estará à sua disposição no dia seguinte. O motorista de Nogueira da
Silva irá buscá-la ao final da tarde, mas é preciso um «disfarce»: dizer que vive
no Brasil e que precisa de entregar a Maria de Jesus uma encomenda do irmão,
que vive em São Paulo.
Para não levantar suspeitas, aconselham que deixe a máquina fotográfica e o
gravador no hotel, mas recebe a garantia de que alguém, no interior da
residência oficial, tentará desenrascar as imagens.
Quando se deteve diante de Salazar, a jornalista comoveu-se.
Ouvira falar dele em criança, como um mito, e agora tinha a oportunidade de
registar, com toda a probabilidade, as últimas palavras do velho ditador.
Durante uma hora de conversa, ficara deslumbrada.
Salazar dera-lhe as mãos desde o primeiro minuto e não as largara. Falaram
de Portugal, do Brasil, «da África dele». Mas Maria de Lourdes, levada pela
emoção, não registara qualquer apontamento.
Para a memória desse encontro, haveria apenas quatro fotografias tiradas por
um rapaz que, entretanto, a governanta havia levado à sala.
À saída, a jornalista combinara com Maria voltar em breve. Era quase uma
obrigação: estivera com Salazar um tempo que só a poucos mortais era,
naquela altura, permitido. Mas nem uma linha tinha para contar.
A 21 de março de 1970, início de primavera, Maria de Lourdes regressou a
São Bento. Levava um ramo de tulipas, disse que se ia despedir e, dessa vez,
não lhe complicaram a entrada.
Na residência, a governanta esperava-a, entusiasmada. Conseguira um
gravador e um fotógrafo profissional para que, desta vez, nada falhasse. Com
mão trémula e letra pouco legível, Salazar dedicara as fotografias da primeira
visita, e autografara duas da sua colheita oficial, que mandara buscar. Depois, a
entrevista, finalmente.
A conversa decorre prazenteira.

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