II
O homem das pequenas coisas
«Vens para o mimo que cá deixaste?», resmungou-lhe a mãe, quando a viu de
regresso. Rosália ouviu, ainda mal refeita da viagem.
De volta à aldeia, nota que naqueles meses a terra pouco mudara. Favaios
continuava tão longe do bulício da capital como dantes. Mas ela, pelo menos,
voltara a terrenos que conhecia como as palmas das mãos e só isso era conforto
bastante. Mesmo os maus modos da mãe pareciam agora mais doces do que
quando partira.
Enquanto Rosália tem à sua espera as mesmas duras madrugadas na padaria e
as resignações de uma vida de migalhas, o homem feito frade que ela mal
conhecera em São Bento continuará a sua vida solitária, já sem ambições de
constituir família, e vivendo agora sobressaltado com os safanões que a vida
política lhe reserva.
O País está, aos seus olhos, doente.
Nos meios universitários, intensificam-se tumultos, greves e prisões de
alunos. No Conselho de Ministros, assiste-se a divisões entre os governantes
quanto à forma de estancar a agitação estudantil, mas Salazar manda ter mão
firme e manda quem pode. O «chefe» faz uma remodelação no Governo, mas
nem por isso as leituras são de refrescamento. Franco Nogueira, ministro dos
Negócios Estrangeiros, pressente por esta altura «um sulco de fadiga» em
algumas classes sociais e nos meios económico-financeiros, ao qual se juntam
as incertezas, receios e cansaços provocados por anos de Guerra Colonial. Nos
anos anteriores, Salazar fora confrontado com relatórios sobre assuntos que
causavam inquietação e perturbação nos portugueses, entre os quais figurava a
preocupação com a idade do Presidente do Conselho. Da imprensa estrangeira