A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

apessoado, meticuloso e cuidado, onde cabiam todas as contradições da
condição humana. «Irradiava personalidade e podia ser tão distinto e gelado
quanto caloroso e doce», dirá Franco Nogueira. Importante, sobretudo, é que,
na época, Salazar continuava solteiro e assim pretenderá manter-se.
Insinua disponibilidade para aventuras e fantasias, mas sem, contudo, perder
a noção da prudência e dos limites que o protegiam de compromissos
sentimentais. A preservação da imagem, que tanto o preocupará e desgastará ao
longo da vida, será uma obsessão que o fará ser refratário a qualquer entrega do
coração.
Nestas circunstâncias, foi natural que, na manhã de 5 de setembro de 1928, o
País acordasse, atónito, com a notícia do casamento de Salazar. «O Sr. ministro
das Finanças casou-se hoje em Santa Comba Dão onde chegou ontem no sud.
A noiva do Sr. Dr. Oliveira Salazar é irmã do Sr. Dr. Guilherme Moreira, ilustre
subsecretário das Finanças», escreveu o Jornal de Notícias, em texto do
correspondente local.
A nota, ainda que breve, seria surpreendente, não se desse o caso da
celebração do matrimónio nunca ter acontecido. Ao longo dos anos irão
suceder-se explicações para o sucedido: boato; casamento secreto e, por isso,
não registado; má interpretação das palavras do correspondente do matutino
portuense, talvez mal servido pelas telecomunicações da época; enfim, o rol é
vasto. A notícia não se confirmou, isso, sim, é certo.
Salazar seguiu a sua vida.
No palacete acolherá Micas e Maria Antónia, suas protegidas.
Sobre a relação com Maria Antónia vão tecer-se algumas intrigas pelos anos,
pois correra que a pequena seria filha dele, fruto de um momento de devaneio
com a governanta.
Outras pequenas que também por lá andam em tarefas domésticas dão
origem a falatório, mas apenas na penumbra das inconfidências dos mais
próximos. Uma delas ter-se-á apaixonado de forma tal que houve necessidade
de mandá-la para o Brasil, com a colaboração da embaixada. Outra, segundo
Costa Brochado, terá desenrascado forma de se hospedar nas redondezas por
forma a observá-lo durante os passeios no jardim.
«Procurava manter uma vida de família, chamando para casa alguma criança
para educar – e havia sempre lá uma menina pequena por ele abrigada e
sustentada e que tratava com carinhos de pai», recordou, em tempos, Marcello
Caetano, notando, porém, que o chefe do Governo «nem sempre foi bem-
sucedido com essas pupilas».

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