A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

disseram, «dar uma palavrinha ao capitão».
Este lá apareceu, estranhando, mas logo avisando que não queria nada do que
carregavam. Dissessem ao que vinham, desafiou. «Isto é um cartão da irmã do
senhor Presidente do Conselho que pede para o senhor ter em linha de conta
que fulano de tal não seja incorporado.»
O rapaz em causa estava destacado para a Guiné, mas o capitão recusou a
proposta. Contudo, aconselhou, poderia efetuar-se uma troca entre soldados, se
ambos assim o desejassem. Ele conhecia um que queria ir para a guerra e não
podia. Se acaso se entendessem os dois, o outro poderia escapar. A troca lá se
efetuou, mas pela módica quantia de 50 contos pagos pelos pais do rapaz,
amigos da irmã de Salazar.
A cena ocorrera no tempo em que o chefe do Governo não transigia com a
Guerra do Ultramar. «Só temos de chorar os mortos se os vivos não o
merecerem», proclamara. As suas palavras não permitiam exceções. Anos
antes, aquando da queda da «Índia portuguesa» e do conflito com a União
Indiana, impedira Narana Coissoró – que viria a ser, em democracia, deputado
do CDS – de viajar para Goa para ver o pai.
O ministro Correia de Oliveira, junto de quem Narana indagara sobre a
possibilidade da viagem numa altura em que nenhum português estava
autorizado a fazê-la, trouxera o recado de Salazar: «Mandara dizer que as
razões de Estado valem mais que as razões emocionais e afetivas.»
A sobrinha da governanta, Maria Antónia, também tentou recorrer aos seus
bons ofícios, em desespero, na Guerra Colonial.
Dava-se o caso do irmão, piloto da força aérea, ter sido destacado para a
guerra nas colónias, onde acabaria por morrer. «A dona Maria ainda chegou a
pedir para ele não ir, mas o senhor doutor disse-lhe que não podia ser», recorda
Rosália. «Quando se lembrava, ela chorava muito por causa disso.» Nessas
ocasiões, Salazar, impávido, cortante, dizia-lhe: «Não quero cá choros. Ele não
é mais do que os outros.»


Maria tinha rédea solta, é verdade, mas apenas era decisiva na gestão do
ministério dos assuntos caseiros de São Bento. Salazar não escolhe a roupa que
veste, não decide o que come e só controla as despesas do palacete quando a
governanta reúne com ele para os acertos. Desde a chegada de Salazar a Lisboa
para governar o País, Maria encarregara-se de tudo e libertara-o «de todas as
preocupações materiais», reconhecera ele. «Sou um prisioneiro. Sim, um

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