A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

elogiadas a Maria.
À mesa da criadagem «faltavam mimos».
Mas nunca «bacalhau, batatas, grão-de-bico e, muitas vezes, açorda com
peixe frito», atalha Rosália.
Nem por isso havia fartura, nem festim. «Era tudo apertadinho, mas não por
vontade do senhor doutor». Dizia ele: «Menina Maria, veja lá as pequenas, não
as deixe passar mal», para pequeno conforto delas, que, por vezes, escutavam
às escondidas as conversas entre os dois. «Ela dizia-lhe que nós não
passávamos fome». Mas «é verdade que não andávamos bem alimentadas.»
Nos almoços e jantares solenes, travessas ainda compostas eram devolvidas à
copa. «Se calhar, o senhor doutor pensava que nós comíamos o que tinha
sobrado. Ela, se pudesse, guardava para outro dia. Sobretudo se fossem boas
carnes e bons peixes. Ali não se deitava nada fora.»
Ainda assim, o ditador sempre obsequiou fidelidades. Entre os beneficiários
estava Rosa Casaco, «o menino bonito de Salazar», fotógrafo da intimidade de
São Bento, agente da PIDE. Em casa dele, Salazar mandava entregar garrafas
de vinho da sua quinta no Vimieiro, hortaliças da produção de Maria no
«quintal» das traseiras do palacete e flores, «muitas flores», para a mulher do
chefe de brigada da polícia política que assassinou Humberto Delgado.
A despensa da casa, enorme, enchia-se do bom e do melhor.
As iguarias mais apetecíveis eram fechadas «a sete chaves». Mas quando as
empregadas faziam a limpeza à despensa acabavam por «limpar das duas
maneiras». Traziam laranjas às escondidas e «uma ou outra garrafinha de
vinho, que a gente abria a bater com ela na parede, com um farrapo.» Se Maria
desconfiasse – «e ela até as caixas de fruta controlava!» – logo se dizia que
algumas peças estavam podres. «O vinho, ela nem notava. Iam para lá caixas e
caixas do Dão...» Revezavam-se nas investidas e a governanta nem sonhava,
«apesar de ter tudo debaixo de olho, sobretudo o bacalhau. Caixas de bacalhau
que nem se diz! Mas quando apanhávamos as garrafas era uma festa!»
A contemplação da garrafeira era um dos passatempos favoritos de Salazar.
«Bebia o seu copinho às refeições, vinho do dele, do Dão. E gostava de andar
de volta das garrafas, a limpá-las.»
No Forte de Santo António do Estoril, na época estival, a governanta tinha
sempre pronta uma pequena merenda, servida com copos de tinto daquela
região, para aconchegar os estômagos dos secretários de Salazar durante as
reuniões que nunca acabavam antes das 14 horas.
O moçambicano Manuel Nazaré, médico analista de Salazar, fora uma vez

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