Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Lamento, Vossa Majestade. Afinal, sou demasiado feminina. Esperarei nos estábulos.
    Saltaram outras duas barreiras e por fim chegaram ao cume da colina de onde, disposto como
    uma rica tapeçaria de Mortlake, viam o vale a brilhar sob o sol da tarde.

  • Sentemo-nos um pouco – sugeriu Catarina.
    Frances assentiu sentindo-se de repente embaraçada por estar sozinha com a rainha, de quem
    era aia, mas que mal conhecia. E então ocorreu-lhe que talvez tudo aquilo fosse um pretexto
    para conseguir falar com ela a sós e admoestá-la pela sua proximidade com o rei, talvez para a
    avisar de que deveria afastar-se.
    Porém, Catarina não se referiu a Carlos.
    Riu-se da aparência impressionante dela naquelas roupas de homem, por ser tão alta.

  • Mas como é alto e encantador! – Deu-lhe uma cotovelada, muito animada. – De facto,
    parece um jovem tão belo que, em Whitehall ou St. James, teria de andar de costas voltadas
    para a parede.
    Frances pestanejou. Não havia dúvida de que a rainha aprendera muito desde que chegara.
    Chegaram junto de uma árvore caída, à qual prenderam os cavalos, sentando-se em seguida
    no tronco nodoso, tão quente como uma almofada.

  • Diga-me, Mistress Stuart – começou Catarina abruptamente, com os grandes olhos escuros
    muito intensos –, conhece o rei tão bem quanto eu. Que deseja ele da sua rainha? – Antes que
    Frances tivesse tempo de responder, Catarina prosseguiu: – O seu povo queria uma princesa
    protestante, mas fui eu a escolhida por trazer riqueza e oportunidades de negócio, algo que o
    meu marido diz que prezam mais do que qualquer religião. Contudo, odeiam os católicos. Ainda
    que até isso me perdoassem, se eu pudesse dar um herdeiro ao trono.
    Os atormentados olhos castanhos desviaram-se subitamente, fixando-se nas colinas distantes.

  • Não sabe o que isto é... todos os meses desejo que as minhas regras não venham e espero
    ter uma criança no ventre. – Mordeu o lábio até este perder a cor. – Espero, rezo, acendo velas,
    ofereço novenas a Nossa Senhora, porque ela é mãe e deve compreender este anseio, esta dor
    que me consome... E, depois, as minhas regras vêm e eu sei mais uma vez que não espero uma
    criança, e então choro. – Olhou para as suas mãos. – Eu sei o que se diz de mim nas ruas de
    Londres: «O que tem menos serventia? Um sapato gasto ou uma rainha estéril?»
    Embora isso constituísse uma grave quebra de protocolo, Frances estendeu uma mão e
    agarrou na da rainha.

  • Ainda tem tempo, Majestade.

  • Tenho vinte e sete anos. – E, de facto, chegava a chocar que aquela figura infantil pudesse
    ser uma mulher tão crescida. A ideia pairou entre elas, até Catarina não resistir mais. – Que
    idade tem, Mistress Stuart?
    Frances levantou-se.

  • Deveríamos regressar, Vossa Majestade. A Cary Frazier começará a preocupar-se.

  • Diga-me, Frances. Desejo mesmo saber.

  • Em breve completarei dezanove anos, Majestade.

  • Dezanove! – repetiu a rainha, como se a palavra lhe ferisse a alma. – Será o único

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