- Fez um bom ninho, não há dúvida – resmungou o outro. – Se calhar pagou-o com o dinheiro
que recebeu por ter vendido Dunquerque aos Franceses.
Ela sabia que os londrinos continuavam descontentes com o governo por ter devolvido
Dunquerque ao rei Luís e que tinham transformado o chanceler num bode expiatório dos seus
males. - Pois – ruminou o outro. – Também o culpam pela infertilidade da rainha, ainda que eu não
consiga ver como pode isso ser culpa dele. E dizem – continuou, baixando a voz e falando num
tom confidencial – que construiu este palácio com pedras que deviam ter sido usadas para a
reparação da catedral de São Paulo. - Mas que embrulhada de disparates! – insurgiu-se Frances. – O chanceler é um modelo de
honestidade comparado com a maioria.
Os dois liteiros aceitaram o pagamento e observaram-na com curiosidade enquanto ela se
aproximava da porta da frente daquela casa magnificente, perguntando-se quem seria aquela
dama que dizia o que pensava com tanto à-vontade. - Mas que tempos estes em que vivemos – resmungou um deles –, em que as mulheres se
acham no direito de ter opiniões. - Pois – concordou o outro. – É tudo culpa do rei. Só sabe pensar com o que tem entre as
pernas, é o que se diz.
Se o chanceler ficou espantado com a chegada inesperada dela, não o demonstrou. - Mas que prazer tão invulgar, Mistress Stuart – cumprimentou-a Lorde Hyde enquanto era
empurrado na sua cadeira de rodas que o rei criara para ele, de forma a aliviá-lo da gota.
Frances olhou em redor, admirando a vasta sala de visitas, adornada com retratos dourados
de poetas e escritores. Não sabia se haveria de falar formalmente, mantendo os protocolos
habituais segundo os quais nada chegava a ser mencionado diretamente, ou de atirar a precaução
às urtigas. A sua intuição disse-lhe que poderia abrir o coração diante do homem idoso. - Meu Lorde chanceler, sempre foi um bom amigo do rei.
- Tenho dado o meu melhor. Mas há muitos à volta dele que o envenenam a meu respeito. O
duque de Buckingham troça de mim devido às minhas ideias antiquadas. A Lady diz ao rei que
só zelo pelos meus próprios interesses. - Porém, o rei sabe que, de todos os conselheiros que tem, o senhor é o único que lhe diz a
verdade.
Edward Hyde, conde de Clarendon, ficou de súbito com uma aparência muito velha e frágil,
uma mera sombra do estadista inflexível que fora outrora. - Troçam de mim junto do rei. Dizem: «Veja, lá vem o seu mestre-escola que lhe vai dizer o
que tem de fazer.» – Soltou um grande suspiro. – Não julgo que a verdade seja o que o rei
deseja ouvir. – Encarou-a, com os olhos enevoados a ficarem mais límpidos. – E, neste caso, o
que o rei deseja ouvir é que o duque de Richmond não pode sustentá-la e não será um marido
adequado para si.
Chegou um criado com uma bandeja com vinho. A gota do chanceler obviamente não o
impedia de beber, mesmo àquela hora tão matutina.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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