A raiva e a frustração gravadas no rosto do rei davam a Barbara uma enorme satisfação.
- Dispense o velho tolo! Agora tem outros que poderão dar-lhe melhores conselhos. Manteve
o homem a seu lado durante demasiado tempo, por bondade. É assim que ele lhe dá a paga.
Para sua grande fúria, o rei parecia submerso em tristeza. - Então? – acossou-o ela. – Não é um ator de uma tragédia de Drury Lane. Ordene-lhe que
devolva o Grande Selo de imediato. Há outros mais dignos dessa incumbência.
O rei virou-se, com os olhos escuros a faiscarem de raiva. - Cale-se, mulher impudica. Não é com o chanceler que me preocupo!
O seu olhar fixou-se com ressentimento em Frances, que se havia instalado discretamente na
outra ponta da longa mesa, com a rainha entre eles como medida de segurança.
Barbara encolheu-se perante o tom dele como se tivesse sido agredida. Como poderia ele
ainda suspirar por aquela pequena cabra quando ela o tratava assim? - Haja música! – ordenou a rainha Catarina, percebendo que o ambiente à sua volta precisava
de ser aligeirado. – Cantem-nos algumas baladas francesas melodiosas.
Um menino de cabelo louro surgiu no palanque ao lado dela e cantou como um anjo, numa voz
pura que se elevava como uma cotovia a voar em direção ao sol.
Para intensa irritação de Barbara, a música pareceu de facto suavizar a ira que o rei sentia
por Frances, como se ele se recordasse dos tempos em que era ela quem cantava tão
melodiosamente em francês.
Tentada a levantar-se ruidosamente, apesar da constante presença do rei, e a sair do salão em
busca de melhor companhia, reparou que Mister Chiffinch se encontrava na pequena alcova
perto da passagem por onde criados e moços de cozinha traziam a comida, e que a chamava
discretamente. Barbara esgueirou-se do seu lugar.
Mister Chiffinch fez uma vénia e apontou para uma grande tapeçaria que representava a
expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden.
Barbara seguiu-o para trás da tapeçaria. - Peço muita desculpa por interromper Vossa Senhoria enquanto ceia – sussurrou Mister
Chiffinch. – Mas pediu-me que mantivesse os olhos bem abertos para a informar.
Barbara assentiu com a cabeça, cada vez mais entusiasmada. Sabia que o pajem do rei não a
teria feito abandonar em vão o salão enquanto todos acompanhavam os monarcas à refeição. - Julguei que lhe interessaria saber que Mistress Stuart tem uma visita.
- É verdade, interessa-me muitíssimo, Mister Chiffinch.
- O duque de Richmond chegou há menos de dez minutos, num grande alvoroço, envergando
trajes de montar. Atirou um anjo ao moço da cavalariça para que desse água ao seu cavalo.
Parece que cavalgou bastante depressa para ver a dama e que ficou profundamente desapontado
quando descobriu que ela não se encontrava nos seus aposentos.
Um sorriso de vitória iluminou os olhos semicerrados de Barbara. Já quase sentia o cheiro a
sangue. - Obrigada, Mister Chiffinch. A notícia que me transmite interessa-me realmente.
As sobremesas estavam a chegar no momento em que tornou a sentar-se à mesa.