Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

vale a pena queimar, ainda que sejam sagradas.
Carlos tornou a rir-se.



  • Lamento, Mistress Stuart, a mim poderá reformar-me, mas Lorde Buckingham é mais difícil
    de vergar.
    Os modos amistosos do rei proporcionavam-lhe um grande alívio. Depois de o ter humilhado
    em público, poderia esperar ser banida. Ou pior. Contudo, parecia que a vida podia prosseguir.
    Como se refletisse o seu alívio quanto ao descontentamento real, o tempo aqueceu e, por fim,
    surgiram dias belíssimos em que se tornava difícil ficar no interior sombrio do antigo palácio.

  • Amanhã iremos pelo rio até à casa do meu tio, em Richmond – anunciou Barbara. – O rei
    emprestar-nos-á a barcaça dele.

  • Precisarei de confirmar que a rainha poderá dispensar-me.
    Frances hesitava. Fazia tenções de cultivar uma distância mais segura entre ela e Barbara
    desde o casamento fictício, mas a dama – força da natureza que ela era – não cedia a qualquer
    resistência. E foi de bom grado que a rainha a dispensou.

  • Tem sido minha amiga, Mistress Stuart – murmurou, deixando Frances muito embaraçada. –
    E eu não o esquecerei. Tenho muitas damas de companhia. Vá e aproveite o tempo clemente,
    sabe Deus se irá durar.
    Talvez a rainha tivesse sido menos generosa se soubesse com quem Frances iria e que a
    excursão seria feita na barcaça real, emprestada pelo próprio rei.
    O sol incidia no rio, malcheiroso como uma cobra apodrecida sob a bruma londrina, mas o ar
    ia-se tornando mais límpido a cada jarda remada em direção a oeste, para longe da metrópole.
    O barqueiro real, um homem alegre, parecia encantado por seguir corrente acima, na direção
    contrária à do ar enegrecido e dos inúmeros botes apinhados de passageiros que avançavam por
    entre as sumacas, batelões e navios que faziam as suas descargas para lá da ponte de Londres.
    À direita, passaram pelos jardins de Neat House, na margem norte, perto de Pimlico, onde
    eram cultivados muitos dos vegetais de Londres. Couves, couves-flores, alcachofras e cenouras
    cresciam ali em abundância.

  • E em breve a comida dos deuses, espargos, dos jardins de Neat House, cozidos e
    mergulhados em manteiga a ferver. – Barbara fechou os olhos e lambeu os lábios. – Meu Deus,
    de repente apetecem-me tanto...

  • Tenha o cuidado de os lavar primeiro, na condição em que está, minha senhora –
    aconselhou o barqueiro. – Já que são cultivados com estrume das vacarias de Londres. Não há
    jardim sem esterco,
    já diz o ditado.

  • Obrigada, barqueiro. – Barbara sorriu, olhando para Frances. – Seguirei o seu conselho.
    À esquerda encontrava-se o famoso Fox Hall, aonde se chegava numa viagem de barco que
    custava seis pence , com os seus passeios e abrigos recentes, que encantavam os londrinos, pois
    ali podiam cear e correr em busca de um beijo roubado.

  • Isso para quem quer beijar uma meretriz velha com o rosto coberto por um véu – comentou
    Barbara –, e acabar com mais do que pediu. – Riu-se com a própria piada. – É certo que dizem
    que o marido da última amante do duque de York se deixou infetar com sífilis e lha passou, para

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