29
AUDRESSELLES, PAS-DE-CALAIS
Era cedo e o local era remoto, portanto a repercussão foi lenta. Muito
mais tarde, uma comissão de inquérito viria a repreender o chefe da
gendarmaria local e emitir uma série de recomendações pomposas que
foram completamente ignoradas, pois, na pequena e pitoresca vila de
pescadores de Audresselles, recriminações estavam longe de figurar entre as
preocupações das pessoas. Passados muitos meses, os habitantes chocados
da comunidade ainda falavam daquela manhã no mais sombrio dos tons.
Uma octogenária, cuja família havia morado na comuna sob a
autoridade de um rei inglês, descrevia o incidente como a pior coisa que ela
já tinha visto desde que os nazistas hastearam uma bandeira com suástica
sobre o Hôtel de Ville. Ninguém se opunha à sua afirmação, embora alguns
poucos a achassem hiperbólica, afirmando que a comuna já passara por
coisas piores. Mas, quando questionados, ninguém era capaz de dar um
exemplo.
Audresselles mede apenas 2 mil acres e o impacto da explosão
chacoalhou janelas por toda parte. Muitos habitantes, alarmados, ligaram
imediatamente para os gendarmes, mas passaram-se vinte longos minutos
até que a primeira viatura chegasse ao pequeno estacionamento adjacente à
praia. Lá, descobriram um Citroen C4 engolfado por um fogo tão quente que
não era possível aproximar-se mais do que 30 metros. Apenas dez minutos
depois, chegaram os bombeiros. Quando eles conseguiram apagar as chamas,
o carro havia sido reduzido a pouco mais do que uma carcaça enegrecida.
Por razões que jamais ficaram claras, um dos bombeiros resolveu
forçar a abertura do porta-malas. Logo que conseguiu, caiu de joelhos e
vomitou. O primeiro gendarme a olhar o conteúdo não se saiu melhor. Mas o
segundo, um veterano com vinte anos de serviço, foi capaz de manter a
compostura ao confirmar que aquilo eram os restos de um ser humano.
Então, ele acionou pelo rádio a delegacia da região de Pas-de-Calais e
comunicou que a explosão do carro na praia era agora um caso de
assassinato — um tanto quanto grotesco, diga-se de passagem.
Ao amanhecer, mais de dez detetives e profissionais forenses
trabalhavam na cena do crime, observados pelo que parecia ser metade da