A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

Lizbet recordava-se da noite.
O pai mudara a família para a Bavária, pois Berlim já não era segura.
Lembrava-se do pai a chegar a casa, muito tarde, recordava-se da sua presença no
quarto, enquadrado pela luz tênue que entrava pela porta. Mais tarde, recordava-se
do som da mãe e do pai a falarem em voz baixa na cozinha, e do cheiro do jantar do
pai. E depois ouviu o barulho de louça a partir-se, o som da mãe a arquejar. Ela e
Nicole, a irmã gémea, rastejaram até o alto das escadas e olharam para o rés-do-
chão. Lá em baixo, na cozinha, viram os pais e dois homens com as fardas pretas da
SS. Não reconheceram um dos homens. O outro era Heinrich Himmler, o homem
mais poderoso da Alemanha, logo a seguir a Adolf Hitler.
Durante anos, Lizbet Vogel acreditara que o pai fora um nazi, aliado de
Himmler e das SS, um criminoso de guerra que escolhera morrer nas montanhas
da Suíça, em vez de enfrentar a justiça na sua pátria. Concluiu que a mãe, em
segredo, acreditava no mesmo. Quando a mãe morreu, Lizbet contou a história a
Astrid, que cresceu a acreditar que o avô fora um nazi.
Então, durante uma tarde de Outubro de 1970, um homem telefonou para a
casa e perguntou se poderia fazer uma visita. Chamava-se Werner Ulbricht, e
trabalhara com Kurt Vogel na Abwehr, durante a guerra. Disse saber a verdade
acerca do trabalho de Vogel. Lizbet pediu-lhe que lá fosse. Chegou uma hora
depois. Era magro, pálido como farinha, apoiava-se numa bengala e usava uma pala
negra sobre um olho.
Caminharam durante algum tempo, Werner Ulbricht, Lizbet e Astrid, e
depois sentaram-se na margem relvada do lago e beberam café de um termo.
Apesar do frio outonal no ar, o rosto de Ulbricht estava coberto de suor devido ao
esforço. Descansou um pouco enquanto bebia café, e depois contou-lhes a história.
Kurt Vogel não era nazi. Odiava-os profundamente. Entrou para a Abwehr
com a condição de não ser obrigado a aderir ao Partido, e Canaris teve todo o
prazer em fazer-lhe a vontade. Não era conselheiro legal de Canaris. Era um
angariador de agentes, e muito bom: meticuloso, brilhante, implacável, à sua
maneira. Um dos seus agentes na Grã-Bretanha fora uma mulher. Juntos, tinham
descoberto o mais importante segredo da guerra: a data e o local da invasão.
Também descobriram que os britânicos estavam embrenhados numa fraude maciça
para ocultar a verdade. Mas, em Fevereiro de 1944, Hitler despediu Canaris e
colocou a Abwehr sob as ordens de Himmler e das SS. Vogel guardou a informação
e juntou-se aos conspiradores anti-Hitler da Schware Kapelle, a Orquestra Negra.
Quando o golpe de de julho terminou em desastre, muitos dos elementos da
Schware Kapelle foram presos e executados. Vogel fugiu para a Suíça.

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