A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

pensou, Hamid se debateria e, no processo, causaria mais danos ao osso e ao tecido ao
redor.
O paciente continuou no pronto-socorro, descansando, recuperando-se, por mais
uma hora. Nesse tempo, duas de suas vítimas sucumbiram às feridas no centro de
trauma ao fim do corredor — o judeu ortodoxo mais velho e o israelense secular que
tinha sido atingido por engano. Quando os policiais chegaram para levar seu
prisioneiro, havia raiva em seus rostos. Normalmente, Natalie teria mantido uma vítima
de um tiro internada por uma noite, em observação, mas concordou em deixar a polícia e
os homens do Shabak levarem Hamid imediatamente. Quando as algemas foram
removidas, ela prendeu o braço esquerdo dele com firmeza ao corpo. Depois, com uma
palavra de consolo em árabe, deu alta.
Houve outro ataque no fim daquela tarde — um jovem árabe de Jerusalém Oriental,
uma faca de cozinha, a lotada Estação Rodoviária Central, na estrada de Jaffa. Dessa vez,
o árabe não sobreviveu. Um civil armado atirou nele, mas não antes que duas mulheres,
ambas septuagenárias, tivessem sido esfaqueadas. Uma morreu a caminho do Hadassah;
a outra, no centro de trauma quando Natalie estava aplicando pressão em uma ferida no
peito. Depois, na televisão da sala dos funcionários, ela assistiu ao líder da Autoridade
Palestina dizer para seu povo que era um dever nacional matar o máximo de judeus
possível.
— Cortem a garganta deles — ele estava dizendo —, esfaqueiem seus corações maus.
Cada gota de sangue derramado por Jerusalém é santa.
A noite trouxe um alívio silencioso. Natalie e Ayelet jantaram juntas em um
restaurante no reluzente shopping anexo ao hospital. Falaram de assuntos mundanos:
homens, filmes, a vida sexual de uma enfermeira ninfomaníaca do centro de
neonatologia, qualquer coisa menos o horror que tinham testemunhado naquele dia.
Foram interrompidas por mais uma crise; quatro vítimas de uma colisão de frente
estavam a caminho do pronto-socorro. Natalie cuidou da mais jovem, uma garota
religiosa de 14 anos, nascida na Cidade do Cabo, que morava em uma comunidade
falante de inglês em Beit Shemesh. Ela sofrera inúmeras lacerações, mas não tinha ossos
quebrados nem lesões internas. O pai dela, porém, não teve tanta sorte. Natalie estava
presente quando contaram para a menina que ele havia morrido.
Exausta, esticou-se em uma cama no quarto dos médicos para dormir por algumas
horas, e, em seus sonhos, foi perseguida por uma multidão de homens encapuzados com
facas. Acordou sobressaltada e olhou o celular apertando os olhos. Eram sete e quinze.
Levantou-se, engoliu uma xícara de café preto com açúcar, fez uma tentativa desanimada
de arrumar o cabelo e voltou ao pronto-socorro para ver qual horror as últimas duas
horas do plantão trariam. Tudo ficou calmo até as oito e cinquenta e cinco, quando
Ayelet recebeu a notícia de outro esfaqueamento.
— Quantos? — perguntou Natalie.
Ayelet levantou dois dedos.
— Onde?

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