— Que nem eu.
Ela ficou em silêncio.
— Gostamos de pessoas de bom caráter, Natalie. Não temos interesse em quem
abandona mulher e filhos e não cuida dos pais. Empregamos essas pessoas como fontes
pagas, se for preciso, mas não gostamos delas em nosso meio.
— Como você sabe que eu sou...
— Uma pessoa de bom caráter? Porque estivemos observando você, em silêncio e à
distância. Não se preocupe, não somos voyeurs, a não ser que seja necessário. Permitimos
que você tivesse uma zona de privacidade, e tapamos os olhos sempre que possível.
— Vocês não tinham esse direito.
— Na verdade — disse ele —, tínhamos todo o direito. As regras que governam
nossa conduta nos dão algum espaço de manobra.
— Elas permitem que vocês leiam as correspondências dos outros?
— É isso o que fazemos.
— Quero aquelas cartas de volta.
— Que cartas?
— As cartas que vocês pegaram do meu quarto.
Gabriel olhou com ar de reprovação para Uzi Navot, que encolheu os ombros
pesados, como que dizendo que era possível — de fato, era com certeza verdade — que
certas cartas particulares tivessem sido roubadas do apartamento de Natalie.
— Seus pertences — disse Gabriel em tom de desculpas — serão devolvidos o mais
rápido possível.
— Que atencioso da sua parte — a voz dela continha um ressentimento agudo.
— Não fique brava, Natalie. Faz tudo parte do processo.
— Mas eu nunca me inscrevi para trabalhar para...
— O Escritório — completou Gabriel. — Chamamos só de Escritório. E nenhum
de nós nunca pediu para entrar. Eles nos convidaram para entrar. É assim que funciona.
— Por que eu? Não sei nada do seu mundo nem do que vocês fazem.
— Vou contar para você outro segredinho, Natalie. Nenhum de nós sabe. Não existe
pós-graduação para ser oficial de inteligência. É preciso ser esperto, inovador, ter certas
habilidades e traços de personalidade, e o resto se aprende. Nosso treinamento é muito
rigoroso. Ninguém, nem os britânicos, treina seus espiões tão bem quanto nós. Quando
tivermos terminado, você não vai mais ser uma de nós. Vai ser uma deles.
— De quem?
Gabriel levantou os olhos em direção à vila árabe de novo.
— Diga uma coisa para mim, Natalie. Em que idioma você sonha?
— Francês.
— E hebraico?
— Ainda não.
— Nunca?
— Não, nunca.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1