A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

ter escolhido o ponto de entrega de Dilbeek em vez de uma das outras três opções. Não
que elas fossem melhores. Claramente, Jalal não tinha selecionado os locais pela estética.
A espera teve seus momentos mais leves. Havia o pastor belga, uma criatura enorme
com porte de lobo que cagava no arbusto todos os dias. E o aposentado caçador de
metal que descobriu a lata e, depois de inspecioná-la atentamente, jogou-a de volta onde
tinha achado. E a tempestade bíblica de quatro horas que ameaçou arrastar a lata e seu
conteúdo, isso sem falar na própria vila. Gabriel ordenou que Mordecai checasse a
condição do pen drive, mas Mordecai o convenceu de que não era necessário. Ele o tinha
colocado dentro de dois sacos plásticos ziplock, a técnica usual de Nabil Awad. Além
disso, argumentou Mordecai, o risco era grande demais. Sempre havia a possibilidade de
o mensageiro chegar exatamente no momento da inspeção. Havia também a
possibilidade, completou, de que eles não fossem os únicos vigiando o local de entrega.
O alvo da empreitada, Jalal Nasser, diretor das operações europeias, não tinha dado
pistas de suas intenções. Era o início do verão, e Jalal estava liberado da extenuante carga
de matérias na King’s College — um único seminário que tinha algo a ver com o
impacto do imperialismo ocidental nas economias do mundo árabe —, ficando livre para
se dedicar à vontade ao jihadismo e ao terrorismo. Na aparência, porém, ele estava
aproveitando o momento de lazer financiado pelos impostos dos cidadãos. Vadiava pelas
manhãs em seu café favorito na Bethnal Green Road, fez compras na Oxford Street,
visitou a National Gallery para apreciar a arte proibida, assistiu a um filme de ação
americano em um cinema da Leicester Square. Foi até ver um musical — Jersey Boys,
ainda por cima—, o que deixou as equipes de Londres preocupadas de que ele pudesse
estar planejando bombardear a produção. Não viram evidência de que ele estivesse sob
vigilância britânica, mas, na Londres orwelliana, as aparências podiam enganar. O MI5
não precisava contar somente com os observadores para vigiar terroristas suspeitos. Os
olhos das câmeras de segurança nunca piscavam.
Seu apartamento de solteiro na Chilton Street tinha sido invadido, revistado e
comprometido de todas as formas possíveis. Eles o viam comer, dormir, rezar, e
olhavam silenciosamente sobre seus ombros com o silêncio de crianças curiosas
enquanto ele trabalhava noite adentro em seu computador. Ele tinha não um laptop só,
mas dois — um conectado à internet e um idêntico sem link nenhum com o universo
cibernético, ou era o que ele achava. Se estava se comunicando com elementos da rede de
Saladin, não era algo imediatamente perceptível. Jalal Nasser podia ser um terrorista
jihadista comprometido, mas online era um habitante exemplar da Grã-Bretanha e súdito
leal do Reino Hachemita da Jordânia.
Mas será que ele sabia do pen drive que estava na base de um poste elétrico em um
subúrbio pastoral de Bruxelas chamado Dilbeek? E será que sabia que o homem que
supostamente o colocara lá agora estava na Jordânia cuidando de um pai gravemente
doente? E será que achava que essa confluência de acontecimentos — a entrega do pen
drive e a repentina viagem de um tenente de confiança —coincidência demais? Gabriel
tinha certeza que sim. E a prova, declarou, era que o mensageiro não tinha limpado o

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