A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

D


LESTE DA SÍRIA

irigiram na direção leste ao encontro do sol, que nascia por uma estrada reta como
régua e negra de petróleo. O trânsito estava leve — um caminhão levando cargas da
província de Anbar, no Iraque, um camponês levando verduras para o mercado de
Raqqa, uma carreta cheia de ninjas bêbados de sangue depois de uma noite de luta no
norte. O rush da manhã no califado, pensou Natalie. De vez em quando, passavam por
um tanque ou um veículo de transporte de tropas, ambos queimados. Na paisagem
vazia, os escombros pareciam cadáveres de insetos fritos pela lupa de uma criança. Uma
picape japonesa ainda queimava quando eles passaram e, atrás, um soldado chamuscado
ainda se agarrava à sua metralhadora .50 apontada para o céu.
— Allahu Akbar — murmurou o motorista da SUV e, por trás de seu véu, Natalie
respondeu:
— Allahu Akbar.
Ela só tinha como guias o sol, e o velocímetro e o relógio do painel da SUV. O sol
dizia que eles tinham se mantido na direção leste desde que saíram de Raqqa. O
velocímetro e o relógio diziam que estavam correndo a cento e quarenta e cinco
quilômetros por hora há setenta e cinco minutos. Raqqa ficava a aproximadamente cento
e sessenta quilômetros da fronteira do Iraque — a antiga fronteira, ela logo lembrou a si
mesma. Não havia mais fronteira; as linhas desenhadas em um mapa por diplomatas
infiéis em Londres e Paris tinham sido apagadas. Até as antigas placas rodoviárias sírias
haviam sido removidas.
— Allahu Akbar — disse o motorista de Natalie quando passaram por outros restos
em chamas.
E Natalie, sufocando atrás de seu abaya, entoou:
— Allahu Akbar.
Seguiram a leste por cerca de vinte minutos ou mais, a terra ficando mais seca e mais
desolada a cada quilômetro. Ainda era cedo — sete e vinte, segundo o relógio —, mas a
janela de Natalie já queimava ao toque. Finalmente, chegaram a uma pequena vila de
casas de pedras branqueadas. A rua principal era larga o suficiente para passarem carros,
mas, para trás, havia um labirinto de passagens pelo qual alguns habitantes da vila —
mulheres com véu, homens com robes e keffiyehs, crianças descalças — caminhavam
sonolentamente no calor. Havia um mercado na rua principal, além de um pequeno café
onde alguns velhos enrugados se sentavam ouvindo um sermão gravado de Abu Bakr
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