A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

— E se for doloroso demais?
— Vai ser. Mas ela não vai lembrar durante muito tempo.
Com um empurrãozinho, o médico deixou Gabriel por si mesmo. Lentamente, ele
cruzou o quarto coletivo e sentou-se em uma cadeira que tinha sido colocada ao lado de
Leah. O cabelo dela, outrora longo e volumoso como o de Chiara, agora estava
institucionalmente curto. Suas mãos eram retorcidas e cheias de cicatrizes antigas. Eram
como pedaços de tela em branco. Gabriel ansiava por repará-los, mas não podia. Leah
estava além de reparação. Ele beijou suavemente o rosto dela e esperou que ela tomasse
consciência de sua presença.
— Olhe a neve, Gabriel — disse ela, de repente. — Não é linda?
Gabriel olhou pela janela, onde um sol forte brilhava sobre um pinheiro-manso no
jardim do hospital.
— Sim, Leah — disse ele, distraidamente, com a visão borrada pelas lágrimas. — É
linda.
— A neve absolve os pecados de Viena. A neve cai sobre Viena enquanto os mísseis
chovem em Tel Aviv.
Gabriel apertou a mão de Leah. Eram algumas das últimas palavras que ela falara na
noite do atentado em Viena. Ela sofria de uma combinação particularmente aguda de
depressão psicótica e transtorno do estresse pós-traumático. Às vezes, experimentava
momentos de lucidez, mas, na maior parte do tempo, era prisioneira do passado. Viena
passava incessantemente em sua cabeça como uma gravação em looping que ela não
conseguia pausar: a última refeição que fizeram juntos, o último beijo, o incêndio que
matara seu único filho e queimara a pele de seu corpo. A vida dela tinha sido reduzida a
cinco minutos, e ela os vivia repetidamente há mais de vinte anos.
— Vi você na televisão — falou ela, repentinamente lúcida. — Parece que você não
morreu, afinal.
— Não, Leah. Foi só algo que tivemos que dizer.
— Por causa do trabalho?
Ele balançou a cabeça positivamente.
— E agora estão dizendo que você vai ser o chefe.
— Em breve.
— Achei que o Ari era o chefe.
— Não é mais há muitos anos.
— Quantos?
Ele não respondeu. Era deprimente demais pensar nisso.
— Ele está bem? — perguntou Leah.
— O Ari?
— Sim.
— Tem dias bons e dias ruins.
— Que nem eu — comentou Leah.


A expressão dela tornou-se sombria. As lembranças estavam se acumulando. Ela
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