A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

transporte que ia e vinha do hospital, um shuttle que a deixou a uma curta caminhada da
entrada do pronto-socorro. No momento, tudo parecia calmo. Não havia ambulâncias
no pátio, e o centro de trauma estava escuro e silencioso, com apenas uma enfermeira de
plantão caso uma equipe precisasse ser acionada.
Na sala dos funcionários, Natalie colocou a bolsa em um armário com cadeado,
vestiu um jaleco branco sobre a roupa de cirurgia azul-esverdeada e pendurou um
estetoscópio ao redor do pescoço. O plantão dela começava às nove da manhã e
terminaria às nove da manhã seguinte. O rosto que examinou no espelho do banheiro
estava razoavelmente descansado e alerta, muito melhor do que pareceria dentro de vinte
e quatro horas. A pele era cor de oliva, e os olhos, quase pretos — assim como o cabelo,
preso em um coque apertado com um elástico simples. Alguns fios escapavam e caíam
pelo pescoço. Ela não estava usando maquiagem nem perfume; as unhas estavam
cortadas e pintadas com esmalte clarinho. O uniforme largo do hospital escondia um
corpo esguio e firme, com quadris estreitos e coxas e panturrilhas levemente musculosas
de uma corredora de longas distâncias. Nos últimos tempos, Natalie estava confinada à
esteira da academia. Como a maioria dos habitantes de Jerusalém, não se sentia mais
segura para sair sozinha.
Ela limpou as mãos com álcool em gel e se aproximou do espelho para olhar mais de
perto seu rosto. Odiava o nariz e achava a boca, ainda que sensual, um pouco grande
demais. Os olhos, decidiu, eram sua característica mais atraente — grandes, escuros,
inteligentes, sedutores, com um traço de traição e talvez alguma reserva de dor
escondida. Depois de dez anos praticando medicina, ela já não se considerava bela, mas
sabia empiricamente que os homens a achavam atraente. Até agora, não encontrara
nenhum espécime com quem valesse a pena se casar. Sua vida amorosa consistia em uma
série de relações monogâmicas, mas essencialmente infelizes — na França, onde vivera
até os 26 anos, e em Israel, para onde se mudara com seus pais depois de concluírem que
Marselha já não era um lugar para judeus. Os pais dela moravam em Netanya, em um
apartamento com vista para o Mediterrâneo. A integração deles na sociedade israelense
era, na melhor das hipóteses, superficial. Assistiam a canais de televisão franceses, liam
jornais franceses, faziam compras em mercados franceses, passavam as tardes em cafés
franceses e só falavam hebraico quando necessário. O hebraico de Natalie, apesar de
rápido e fluente, traía uma infância em Marselha. O mesmo ocorria com seu árabe
impecável. Nos mercados da Cidade Antiga, ela às vezes ouvia coisas que a arrepiavam.
Saindo da sala de funcionários, ela notou dois outros médicos correndo para o
centro de trauma. O pronto-socorro ficava logo no fim do corredor. Só dois
compartimentos estavam ocupados. A dra. Ayelet Malkin, coordenadora do plantão,
estava no balcão cercado no meio do cômodo olhando para a tela de um computador.
— Bem na hora — disse, sem levantar os olhos.
— O que está acontecendo?
— Um palestino de Jerusalém Oriental acabou de esfaquear dois judeus ortodoxos
na rua Sultão Suleiman. Um deles provavelmente não vai sobreviver. O outro também

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