não sorrir quando ele repreendeu Yaakov e Oded depois de um ensaio particularmente
terrível. E tomaram o cuidado de não surpreendê-lo enquanto estivesse sozinho, pois, apesar
de uma vida inteira no meio da espionagem, ele estava com os nervos à flor da pele. Na última
tarde em Berlim, a equipe mal podia tolerar seu mau humor. Eles tingiram seus cabelos
grisalhos perto das têmporas e ocultaram os olhos verdes inesquecíveis atrás de óculos. Em
seguida, lhe deram casaco e cachecol e o expulsaram do esconderijo para caminhar entre as
almas dos mortos.
Gabriel, como um legítimo agente de campo, queria ver o lugar com seus próprios
olhos pelo menos uma vez — a embaixada, os postos de observação, os pontos de retirada, o
local de captura. Mais tarde, ele embarcou num trem do S-Bahn que o conduziu através de
Berlim até o Portão de Brandemburgo. Chegando ao antigo lado oriental da cidade, caminhou
ao longo da Unter den Linden, embaixo das tílias sem folhas. Na Friedrichstrasse, o centro da
vida noturna de Berlim durante os anos 1920, virou à direita e andou até o distrito de Mitte.
Ele vislumbrou algumas relíquias do passado stalinista, mas, de forma geral, as manchas
arquitetônicas do comunismo haviam sido removidas. Era como se a Guerra Fria e a guerra
real que a precedera nunca tivessem acontecido. No Mitte atual, não existiam memórias,
apenas prosperidade.
Na Kronenstrasse, Gabriel dobrou à direita e seguiu a rua na direção leste até um
prédio moderno com grandes janelas quadradas reluzentes. Muito tempo atrás, antes do
comunismo e da guerra, havia ali uma bela construção neoclássica de pedras cinza. Um pintor
expressionista alemão chamado Viktor Frankel tinha morado no segundo andar com a esposa,
Sarah, e a filha, Irene, mãe de Gabriel. Ele nunca vira uma foto do prédio, porém, uma vez, na
infância, sua mãe tentara desenhar um esboço antes de ser tomada por uma crise de choro.
Fora lá que eles tiveram uma vida burguesa encantada cheia de arte, música e tardes no
Tiergarten. E que a corda começou a apertar lentamente seus pescoços. No outono de 1942,
foram conduzidos como ovelhas por seus compatriotas num vagão para gado e deportados
para Auschwitz. Os avós de Gabriel entraram na câmara de gás assim que chegaram, mas sua
mãe fora enviada para o campo feminino de trabalho forçado em Birkenau. Ela nunca contou
suas experiências para Gabriel. Em vez disso, registrara tudo no papel e trancara os papéis
nos arquivos do memorial de Yad Vashem.
Eu não vou falar das coisas que vi. Não posso. É o mínimo que devo aos mortos...
Gabriel fechou os olhos e pensou em como a rua tinha sido antes da loucura. Viu-se
como criança, visitando avós que puderam envelhecer. E imaginou sua vida caso tivesse
crescido em Berlim, e não no vale de Jezreel. Uma fumaça acre soprou sobre seu rosto, como
vindo de um crematório distante, e ele escutou uma voz familiar atrás de si.
— O que você espera encontrar aqui? — perguntou Shamron.
— Força — respondeu Gabriel.
— Sua mãe lhe deu força ao escolher seu nome. E, então, ela o deu para mim.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1