ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Eu nunca soube — disse o papa.
— É complicado, Santidade — falou Gabriel. — Mas, em Israel, quase tudo é
complicado.
— Você tem certeza de que quer entrar comigo?
— Eu já estive aqui antes.
O papa sorriu.
— Eu estremeço ao pensar no que teria acontecido ao pobre Isaac se não fosse por
você.
— Foi Deus que poupou o menino. O arcanjo Gabriel foi apenas seu mensageiro.
— Espero que ele julgue conveniente me poupar, também.
— Ele o poupará, desde que o senhor me ouça. Aqui as coisas podem dar errado muito
rápido. Se eu notar algo errado...
— Nós partimos — interrompeu o papa.
— Com pressa — completou Gabriel.
Embora o Waqf controlasse o Nobre Santuário, ele não controlava as entradas, logo o
governo israelense conseguira atender ao pedido do Vaticano para que o Haram fosse fechado
à visita breve do papa. Assim, a delegação de dignitários islâmicos aguardando nos degraus
que levavam ao Domo da Rocha tinha apenas quarenta pessoas. Entre elas, estavam o Grande
Mufti, os membros do Conselho Supremo do Waqf e dezenas de seguranças armados, muitos
deles vinculados a grupos militantes palestinos e islâmicos. Minutos após a chegada do papa,
o mufti o convidou para rezar dentro do Domo da Rocha, apesar de o Waqf ter assegurado ao
Vaticano que nada disso aconteceria. O Santo Padre recusou diplomaticamente e passou um
bom tempo se maravilhando com os gloriosos mosaicos e janelas da construção. Gabriel
indicou com discrição as inscrições em árabe que zombavam abertamente da crença cristã e
conclamavam todos os cristãos a se converterem ao islamismo, que os muçulmanos
consideravam a revelação final e decisiva da palavra de Deus.
— Você sabe ler árabe? — perguntou o mufti.
— Nein — respondeu Gabriel em alemão.
Terminado o tour, o papa e o mufti foram tomar chá no jardim. A sós com a figura
religiosa mais poderosa do mundo, o mantenedor do terceiro santuário mais sagrado do Islã
aproveitou a oportunidade para explicar a teoria que ele expunha com freqüência, segundo a
qual o Holocausto nunca acontecera e os judeus estavam tramando em segredo para destruir o
Domo da Rocha com a ajuda de cristãos fundamentalistas dos Estados Unidos. O papa o
escutou, mantendo um silêncio estoico, porém, depois, ao mencionar a conversa, comentou que
o diálogo fora "muito esclarecedor". Após se desculpar pelos excessos assassinos das
Cruzadas, ele ressaltou que os israelenses foram os primeiros conquistadores na história de
Jerusalém a deixar a Montanha Sagrada inalterada. Portanto, declarou, o Islã tinha um dever
especial não apenas de cuidar das mesquitas que se erguiam sobre o Nobre Santuário, mas
também de proteger as ruínas sagradas abaixo.
— Apesar de tudo — disse o papa, entrando na limusine na rua Porta dos Leões —,
acho que foi tudo muito bem.
— Não sei se o mufti concordaria — replicou Gabriel, sorrindo.

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