ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Eles conduziram a missa fúnebre no terceiro dia, na Igreja de Santa Ana. O Santo Padre
não compareceu, mas após um longo debate ficou decidido que seu secretário pessoal
oficializaria a cerimônia em algum lugar dentro do Palácio Apostólico. Gabriel entrou na
igreja enquanto Donati, usando vestes brancas, conduzia os pranteadores na recitação do Ato
Penitencial. Paola estava sentada em silêncio na segunda fileira, seu rosto inexpressivo. A
presença da irmã deixou os colegas de Claudia desconfortáveis; era como se a alma da
falecida tivesse decidido comparecer ao próprio enterro. Ao término da missa, seguindo o
caixão lentamente até a Via Belvedere, ela passou por Gabriel sem trocar qualquer olhar.
Alguns segundos depois, Donati fez o mesmo.
O laboratório de restauração não funcionaria naquele dia, mas Gabriel decidiu
aproveitar a oportunidade para passar algumas horas sozinho com o Caravaggio. Pouco depois
das quatro da tarde, ele recebeu uma mensagem de texto do padre Mark, assistente de Donati,
pedindo que ele fosse a uma lanchonete próxima ao Vaticano, no Borgo Pio. Quando Gabriel
chegou, o jovem padre fitava a tela de seu BlackBerry em frente a uma mesa perto da janela.
Ele era um norte-americano vindo da Filadélfia e tinha o rosto de um coroinha e os olhos de
alguém que nunca perdia em jogos de cartas, razão pela qual trabalhava para Donati.
— Um presente do monsenhor — explicou ele, entregando a Gabriel uma pequena
sacola plástica da livraria do Vaticano.
— Uma coleção das encíclicas do papa?
O padre franziu a testa. Ele não apreciava piadas à custa de Sua Santidade. Também
não tinha muito apreço por Gabriel.
— É a pesquisa da Dra. Andreatti de toda a coleção de antigüidades, de acordo com
seu pedido.
— Tudo nessa pequena sacola? Um verdadeiro milagre.
— Pen drives — explicou o padre, em tom pedante. Talvez algum dia ele tivesse tido
um senso de humor, mas oito anos de treinamento seminarístico o eliminaram.
— E quanto aos registros telefônicos?
— Estou trabalhando nisso.
— E-mail?
— É do Vaticano que estamos falando. Essas coisas levam tempo. — O rosto angélico
do jovem padre não registrou nenhuma emoção. Nem mesmo Gabriel seria capaz de dizer se
ele tinha nas mãos um straight flush ou um par de dois. — O monsenhor gostaria de saber
como você pretende proceder com o inquérito — informou ele, verificando o celular.
— A primeira coisa que vou fazer é estragar a vista lendo milhares de páginas de
documentação referente à proveniência da sua coleção de antigüidades.
— E depois?
— Diga ao monsenhor que ele será o primeiro a saber.
O padre se levantou abruptamente, mencionou uma questão urgente que exigia sua
atenção e seguiu de volta para o Vaticano. Gabriel colocou a sacola no bolso do casaco,
hesitou por um instante e, enfim, telefonou para um número. Uma voz masculina áspera atendeu
falando hebraico. Gabriel murmurou poucas palavras na mesma língua e desligou antes que o
homem no outro lado da linha tivesse a chance de fazer qualquer objeção. Continuou sentado à

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