plástico transparente estavam as palavras ARQUIVOS YAD VASHEM, tanto
em inglês como em hebraico, juntamente com um número de arquivo:
03/812. Gabriel levantou cuidadosamente a capa de plástico e virou a
primeira página. O cabeçalho fê-lo sentir subitamente arrepiado: O
TESTEMUNHO DE IRENE ALLON, ENTREGUE EM 19 DE MARÇO DE 1957.
Rivlin colocou-lhe uma mão no ombro e saiu da sala. Gabriel hesitou um
momento, então olhou para o documento e começou a ler.
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O TESTEMUNHO DE IRENE ALLON: 19 DE MARÇO DE 1957
Não vou dizer todas as coisas que vi . Não posso. Devo pelo menos
isso aos mortos . Não vos vou falar da crueldade indescritível que
suportamos nas mãos da chamada raça superior, nem vou falar das coisas
que alguns fizeram para poder sobreviver mais um dia. Só aqueles que
passaram por isso alguma vez poderão entender como realmente foi, e não
vou humilhar uma vez mais os que morreram. Apenas vou falar das coisas
que fiz, e as coisas que me foram feitas. Passei dois anos em Auschwitz-
Birkenau, dois anos contados ao dia, quase precisamente contados à hora.
O meu nome é Irene Allon. Costumava chamar-me
Irene Frankel. Isto é o que eu testemunhei em Janeiro de 1945 na
marcha da morte desde Birkenau.
Para perceber a angústia da marcha da morte, primeiro terá de
saber algo que aconteceu antes. Já ouviu a história pela boca de outros. Pela
minha não será muito diferente. Como todos os outros, nós viemos de trem.
O nosso partiu de Berlim a meio da noite. Disseram-nos que íamos para o
leste, para trabalhar. Acreditamos. Disseram-nos que seria em carruagens
adequadas com assentos. Asseguraram-nos que nos seria dada comida e
água. Acreditamos. O meu pai, o pintor Viktor Frankel, levava com ele um
bloco de desenho e alguns lápis. Tinha sido despedido do seu cargo de
professor e o seu trabalho fora declarado "degenerado" pelos nazistas. A
maioria dos seus quadros tinha sido confiscada e queimada. Ele tinha
esperança que os nazistas o deixassem retomar o seu trabalho no leste.
Claro que não era uma carruagem adequada com assentos, e não