Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

se lembrava era que, antes de casar, jogava ténis duas vezes por semana, fazia jogging aos
sábados de manhã e andava na linha que era uma maravilha. Depois tinha nascido o miúdo e ele
deixara de ter tempo para essas coisas. O trabalho durante a semana, os fins-de-semana
rotineiros com a criança. Ah, como odiava McDonald’s e cinema com pipocas no Colombo.
Haveria programa mais deprimente do que esse?
Apesar de tudo, Zé não se podia queixar. Vivia numa boa casa em Campolide — não era
propriamente uma decoração de revista, mas pelo menos era confortável com os seus cento e
cinquenta metros quadrados de área —, tinha uma carrinha Peugeot quase nova, e quase paga, e
um ordenado bastante razoável; Graça também ganhava bem no laboratório farmacêutico onde
trabalhava e o miúdo frequentava um bom colégio privado, que lhes custava os olhos da cara.
Mas de que é que isso tudo lhe servia se, no fundo, andava às voltas num sufoco. A vida era
isto? A vida era isto?
Certo, nunca se tinha interrogado sobre estas questões, nem começara com problemas
existenciais que, aliás, só deveriam surgir lá para os quarenta. Zé ainda agora ia a caminho dos
trinta e seis. Mas até hoje não houvera nada que o despertasse da longa letargia em que, pelos
vistos, se havia mantido durante tanto tempo. E agora havia o Factor Bellucci, que era como
uma espécie de alarme, um aviso do género atenção-Zé-que-vais-a-deslizar-lentamente-até-ao-
fundo-do-poço.
— O que é que estás a fazer, Zé? — admirou-se Graça. Estava a vasculhar o guarda-fatos à
meia-noite e meia, empoleirado num banquinho da cozinha, a retirar todas as malas de viagem
como se fossem amanhã de férias para as Caraíbas, coisa que nunca tinham feito na vida, porque
passavam as férias, invariavelmente, num apartamento alugado por tuta e meia na Quarteira, no
Algarve. Mas lembrava a alguém ir de férias para a Quarteira só porque era mais barato e assim
poupavam dinheiro para outras coisas, e até nem fazia mal porque, de qualquer maneira, iam
para a praia dos Tomates, que era top , e frequentavam a marina de Vilamoura e encontravam-se
com os amigos no Clube T todas as noites? Lembrava? A eles lembrava.
— Não volto a ir de férias para a Quarteira, nunca mais na vida, e estou-me nas tintas se gasto
mais dinheiro para ir para um sítio melhor — declarou.
— Zé?
— Sim.
— Estamos em Outubro.
— E depois?
— Porque é que estás a tirar as malas todas para fora e a falar de férias?
— Porque é uma decisão que eu tomei.
— Sim, mas tencionas ir de férias agora?
— Graça... — Virou-se no banco e olhou-a de cima com uma condescendência pesada. —
Achas que sim?
Graça abriu os braços, sem perceber nada.
— Então?
— Então, o quê?
— O que é que estás a fazer, homem?!! — irritou-se.

Free download pdf