TRÊS
Entrou no edifício do banco às nove e quinze da manhã, um quarto de hora mais cedo do que o
costume, portanto, e vinha a assobiar. Dois prenúncios de mudança. Zé nunca chegava quinze
minutos antes da hora, quando muito chegava quinze minutos depois da hora. E nunca, mas
nunca, vinha a assobiar de satisfação. Zé considerava que trabalhar era uma chatice
monumental, uma provação pela qual as pessoas tinham de passar na Terra para ganhar o Céu.
Para Zé, a justificação para uma pessoa se levantar da cama às oito da manhã e ir-se enfiar num
escritório à frente de um computador a tratar de assuntos tremendamente aborrecidos era só
uma: sobrevivência. As suas ambições, ou melhor, as suas fantasias não variavam muito entre
ser um milionário ocioso ou — já que tinha mesmo de trabalhar — ter uma profissão tipo actor
de cinema e viajar por esse mundo fora, perseguido por mulheres tipo a Bellucci e por
jornalistas ansiosos por lhe arrancar duas ou três palavrinhas sobre coisinhas de nada.
Mas eram só fantasias, bem distantes da realidade. A sua realidade tinha mais que ver com a
carneirada geral, de modo que chegar ao trabalho de mau humor já se tornara uma questão de
princípio, um ponto de honra que ele cumpria com uma péssima e genuína disposição.
Hoje, porém, entrou no edifício do banco todo satisfeito. A raqueta de ténis estava guardada
na mala da carrinha e a vida não tinha de ser uma seca miserável. Abriu o computador e
preparou-se para o relatório da agência de Setúbal. Mas como se lembrou de que ainda não
tinha comido nada, deixou o casaco pendurado nas costas da cadeira — para o caso de o chefe
aparecer — e concedeu-se o privilégio de dar um salto à rua para tomar um bom pequeno-
almoço.
Entrou no elevador a pensar em Cátia. Carregou no botão para descer. O elevador fez uma
paragem imprevista no segundo andar, onde entrou uma senhora dos seus cinquenta anos, de
postura rígida e expressão severa.
— Bom dia — disse a mulher, seca, como se fosse uma terrível contrariedade ter de viajar de
elevador com um estranho.
— Bom dia — respondeu Zé, distraído, sem reparar na má disposição dela.
A porta fechou-se. O elevador retomou a descida. Zé enfiou as mãos nos bolsos enquanto
recapitulava a troca de mensagens de computador com a colega, no dia anterior. «Hoje é o
grande dia», disse, sem se aperceber de que pensava em voz alta no almoço que tinha
combinado com a Cátia. A senhora virou-se para ele espantada e lançou-lhe faíscas com os
olhos. «Bellucci, Bellucci», continuou Zé a falar, com os olhos cerrados e utilizando um tom
libidinoso que reflectia o seu estado de espírito naquele momento.
«Bellucci, minha Bellucci», murmurou, extasiado com a visão da maravilhosa Cátia, com as
suas pernas compridas que não podiam ser reais.
— Desculpe? — interpelou-o a senhora, demasiado irritada para continuar a ignorar o