— Receio que tenhamos de acabar esta conversa noutra altura — disse Zé, depois de desligar
o telemóvel. — O meu filho espetou um murro num colega.
— Foi?!
— Foi — encolheu os ombros, como quem diz: «Crianças...» — Tenho de ir ao colégio
resolver isto.
Quico aguardava-o, de castigo, na secretaria. Parecia mais aborrecido por estar ali do que
preocupado com o nariz do colega ou os humores do pai. Zé sentou-se ao lado do filho.
— Olá, Quico.
— Olá, pai.
— Então? Parece que bateste num colega...
— Foi — disse Quico, com os olhos postos no chão.
— Pode saber-se porquê?
— Foi ele que começou.
— Ah, estou a ver.
— ...
— E?
— E, o quê?
— O que é que ele te disse para tu lhe dares um murro?
— Então — encolheu os ombros —, ele disse que tu não prestavas para nada.
— Eu?
— Sim, ele perguntou-me onde é que tu trabalhavas e eu disse-lhe que era num banco, e ele
perguntou-me há quanto tempo, e eu disse-lhe que não sabia mas que era há muito, porque já lá
trabalhavas antes de eu nascer, não era?
— Era.
— E depois ele perguntou-me se tu eras director e eu disse-lhe que não. E então ele disse que
o pai dele era muito melhor do que tu, porque também trabalhava num banco e era director.
— Ele disse isso?
— Disse. — Parvalhão do puto , pensou Zé. — E depois eu perguntei-lhe o que é que isso
interessava e ele disse que interessava muito e começou a gozar comigo e a dizer que tu não
prestavas para nada, e eu dei-lhe um murro e ele ficou a deitar sangue do nariz e foi queixar-se à
professora, porque é um mariquinhas.
— Fizeste bem em não permitir que ele dissesse mal de mim, mas não era preciso bater-lhe,
não achas?
— Acho, mas se eu não lhe batesse, ele continuava a dizer essas coisas.
— Pois, bem... — Coçou a cabeça a pensar no que haveria de dizer ao filho. Para a próxima,
esborracha-lhe a cabeça contra o cimento do pátio , seria o mais apropriado, mas não só não
seria muito pedagógico de se dizer, como levaria a que passasse a ser convocado ao colégio
com mais frequência do que lhe parecia aceitável. — Tens de explicar ao teu amigo que...
— Ele não é meu amigo.
— Sim, Quico, mas da próxima vez explicas ao teu colega que as pessoas não são importantes
só por terem cargos que lhes permitem mandar nos outros.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1