Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

SEIS


Zé foi chamado à administração e promovido a director, assim, sem mais nem menos. O
director anterior perdera o lugar por ter sido apanhado com a boca na botija. Fora despedido na
sequência de um processo que já lhe causara a desgraça pública e, muito provavelmente, lhe
custaria uma boa temporada na prisão. Fizera um desfalque ao banco com um método simples,
que consistia em conceder empréstimos — crédito ao consumo — a clientes fictícios,
avalizados sumariamente por ele, com a cobertura de um cúmplice interno. As dívidas desses
clichés fictícios foram ter ao crédito malparado por não haver ninguém para as pagar, enquanto
o dinheiro ia parar ao bolso deles.
Disseram a Zé que depositavam uma grande confiança na sua competência e que não tinham a
menor dúvida de que iria desempenhar bem o seu cargo. Se era verdade que ele já tinha anos de
casa suficientes para ocupar um lugar de maior responsabilidade, não era menos verdade que já
era tempo de deixar de ser ignorado pela hierarquia. Sobre a sua dedicação ao trabalho, apesar
de tudo, não havia nada a dizer. Embora não fosse pessoa de muitos brilharetes, Zé cumpria e
não falhava.
A promoção veio mesmo a calhar. Com isto, Zé não seria um homem novo, mas, com o
advento do Factor Bellucci, a ida ao cinema com Cátia e o choque causado pela descoberta do
estado pré-catatónico em que se encontrava o seu casamento, podia considerar que havia uma
revolução em curso na sua cabeça. Para começar, não haveria mais pantufas a seguir ao jantar, o
que, embora fosse muito agradável, era de uma totózisse insuportável. E isto era só um aparte
na medida em que a sua promoção vinha abalar os princípios de toda uma filosofia baseada em
três mandamentos, que sempre lhe norteara a vida. A saber: trabalhar era aborrecido, um homem
só trabalhava para sobreviver e, mesmo quando era ambicioso e trabalhava mais do que os
outros, não retirava nenhum prazer do trabalho. Ora, os acontecimentos recentes tinham-lhe
demonstrado que isto não era necessariamente assim. Havia os seus momentos bons. Era
fabuloso trocar mensagens de computador com Cátia e levá-la a sair, era gratificante ser-se
promovido e ficar ao mesmo nível do antigo chefe — que, a propósito, deixaria de receber
tratamento de chefe e passaria a ser, no mínimo, ignorado — e, ainda, haveria o Pestana a
lamber-lhe as botas?, o carro de serviço e o aumento de ordenado. Tudo isto fazia parte do
trabalho, ou do emprego, ou lá como se quisesse chamar a esse sacrifício de acordar cedo para
ir passar o dia inteiro no banco. De qualquer forma, Zé começava a ver a carreira profissional
de outra maneira e tencionava investir mais nessa parte da sua vida. Já que tinha de trabalhar,
então que tirasse o maior partido disso.
Ah, e iria comunicar a Quico que, da próxima vez que um colega o acusasse de ter um pai
inútil que não mandava em ninguém, já lhe poderia atirar à cara com a promoção do seu
paizinho, o carrinho de serviço do seu paizinho, o ordenadão do seu paizinho e a... bem, era

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