Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

com um bilhete de agradecimento. Não sabia muito bem como havia de agir para conseguir uma
reaproximação, mas isto sempre era um começo. Só que ao fim da tarde recebeu o ramo de
flores de volta, e sem nenhum bilhetinho. A mensagem de Graça era suficientemente clara: não
seria reconquistada com mimos destes.
Zé desleixou-se no trabalho e dedicou-se a telefonar a Graça várias vezes ao dia. Inventava
desculpas para lhe ligar, perguntava-lhe por Quico, como iam as coisas no colégio, queria saber
se o emprego dela corria bem ou se ela se lembrava de que tinha de levar o carro à revisão. Se
queria que ele tratasse disso! Graça poderia contar pelos dedos de uma mão as vezes que Zé lhe
telefonara para o emprego nos anos em que estiveram casados e agora fazia-o quase de hora a
hora para lhe falar de assuntos que antes nem lhe passavam pela cabeça a não ser,
eventualmente, em casa.
— Zé, falaste comigo há duas horas. O que é que foi agora?
— Eu sei, mas é que me lembrei de que faço anos daqui a dois dias e queria saber se não
podíamos jantar os três. Eu, tu e o Quico.
— Não, Zé, este ano vais ter de festejar os teus anos sozinho.
— É só um jantar, Graça. Que mal é que pode fazer um jantar?
— Não faz mal nenhum, mas não me apetece jantar contigo, só isso.
— Um jantarzinho de anos, custava-te assim tanto? — Zé percebeu que estava a suplicar um
jantar e isso não lhe pareceu nada digno, mas se não podia ter comportamentos patéticos com a
sua própria mulher, com quem haveria de ter? Além disso, Graça já o conhecia por dentro e por
fora, de modo que seria difícil impressioná-la com outra estratégia senão a de se fazer de cão
abandonado. Quando um tipo mal conhecia uma rapariga, podia atirar-lhe para cima uma data de
charme, podia dizer umas fanfarronadas, mostrar-se interessante, etc. Se ela não o conhecia, não
podia saber que ele estava só a armar-se em bom. Ora, Zé gastara essas munições todas com
Graça há mais de uma década. Agora sentia-se desarmado e ela não se mostrava interessada em
facilitar-lhe a vida.
— Não insistas, porque eu não vou jantar contigo.
— O Quico ia gostar de nos ver juntos outra vez. — Soube que não devia dizer a frase antes
de a dizer, mas disse-a na mesma. Era o desespero a falar.
— Ah, Zé, que coisa mais baixa.
— Não, a sério, não achas que ia fazer bem ao Quico?
— Agora vais usar o teu próprio filho para te limpares das asneiras de que és responsável?
— Não, não vou.
— É que se pensas que me vais fazer sentir culpada por estarmos separados, podes tirar o
cavalinho da chuva.
— Eu não me esqueci porque é que nos separámos.
— Eu também não, por isso não me atires as culpas por o miúdo ter de passar por isto.
— Certo, não atiro, mas...
— Não voltes a fazer isso, Zé, se não queres que te desligue o telefone na cara.
— Tens razão, desculpa. Mas podes pensar no jantar?
— Tu tens cá uma lata.

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