— Já li a tua redacção — disse-lhe no caminho —, e sabes uma coisa? Acho que tens razão
sobre a nossa vida ser um pouco diferente de antigamente. E também tens razão em pensar que,
no futuro, eu possa arranjar outra mulher. Isso pode vir a acontecer, mas repara, eu não estou a
dizer que vai acontecer, estou a dizer que pode acontecer. No entanto, mesmo que eu tivesse
outra mulher, nunca, mas nunca, me esqueceria de ti nem da mãe. E se eu tivesse outro filho, ele
não seria mais importante do que tu, percebes?
— Percebo.
— Tu, às vezes, também arranjas um amigo novo, não é verdade? E lá por teres um amigo
novo não quer dizer que deixes de ser amigo dos outros que já conheces há mais tempo.
— Pois não.
— Então, connosco é a mesma coisa. Eu vou gostar sempre de ti. Nunca te esqueças disto, que
eu também não me esqueço.
— Está bem, mas... pai?
— Sim, filho.
— Posso ir viver contigo?
— Quico, nós já falámos disso ontem. Olha, vamos combinar o seguinte: agora ficas com a
mãe porque ela precisa mais de ti e, quando fores um bocadinho mais crescido, voltamos a
pensar nisso, está bem?
— Está bem.
E ficaram assim. Porém, no dia seguinte, Zé foi arrancado de uma reunião a meio da tarde por
um telefonema furioso de Graça. Zé desculpou-se e foi atender a chamada no seu gabinete.
— O que é que andaste a enfiar na cabeça do miúdo, para ele dizer que eu é que tenho a culpa
de tu teres saído de casa e que ele quer ir viver contigo?
— Calma, Graça. Eu não andei a meter nada na cabeça dele.
— Ai, não? Tem piada, que antes de ter saído contigo, ele não dizia nada disso.
— Ele perguntou-me porque é que eu não voltava para casa e eu disse-lhe que tu estavas
zangada comigo, que estavas triste. Depois ele pediu-me para ir viver comigo e eu disse-lhe que
não podia ser e que, neste momento, tu precisavas mais dele do que eu. Graça acalmou-se um
pouco, mas não ficou inteiramente descansada. Na realidade, Graça estava à beira do pânico e,
nessas ocasiões, ninguém raciocina com muita clareza.
— Zé, eu pensava que podia confiar em ti, apesar de tudo.
— É claro que podes confiar em mim.
— Eu nunca te perdoaria se tentasses tirar-me o Quico.
— Graça, não estás a ouvir o que eu te estou a dizer! Eu disse ao Quico que não podia viver
comigo.
— Se for preciso, contrato um advogado e vamos a tribunal.
— Qual advogado, Graça! Eu não vou tirar-te o Quico, percebes? Eu disse-lhe que ele ia
continuar a viver contigo.
— Tu disseste-lhe que depois se via.
— Não, eu disse-lhe que, quando ele fosse mais velho, podíamos pensar no assunto, o que é
muito diferente.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1